Sociedade: «Invisibilidade retira saúde, física e mental, e chega a matar» – Alfredo Abreu

Fundador do movimento «Serve the city», que junta voluntários e pessoas em situação de sem-abrigo e isolamento, persegue os valores da «disponibilidade» e «vulnerabilidade» e acredita que no presente processo sinodal, «o Espírito está a criar experiências que só mais tarde fará perceber»

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 21 fev 2024 (Ecclesia) – Alfredo Abreu, fundador da organização ‘Serve the city’, que junta voluntários e pessoas sozinhas em jantares comunitários, diz que o isolamento “retira a saúde física e mental”, chegando mesmo a matar, e que o reconhecimento recíproco cria “pertença”.

“Os jantares comunitários foram a minha escola maior da humanidade. Comecei a perceber que ali eu não ia para mudar nada a não ser estar próximo e deixar que a agenda do outro seja a minha agenda. Sentados à mesa, como diria o cardeal Tolentino, alimentamo-nos uns dos outros. Acho que talvez um dos temas que perpassa toda a nossa atividade na ‘Serve the City’ é a luta contra a invisibilidade. Nós dizemos muitas vezes que fomos criados, desenhados para a pertença”, explica o fundador à Agência ECCLESIA.

Serve the city‘ é um movimento internacional presente em Portugal em Lisboa, Coimbra, Porto e Oeiras, que procura ser uma ajuda supletiva às pessoas que se encontram em situação de sem abrigo ou marcadas pela solidão e isolamento.

Alfredo Abreu foi desafiado por um colega voluntário da Comunidade Vida e Paz a desenvolver “jantares comunitários” e num compromisso inicial de três meses, passou mais de uma década dedicado a este movimento de voluntariado.

“É na pertença que as pessoas florescem. Pelo contrário, a invisibilidade definha-nos ao ponto de nos matar. Retira-nos a saúde física, retira-nos a saúde mental e mata-nos. Portanto, se fomos criados para a pertença, o que nós queremos é criar o máximo de oportunidades para que as pessoas não se sintam invisíveis e sozinhas”, acrescenta.

Alfredo Abreu, formado em Sociologia em Portugal, e em Espiritualidade, no Canadá, dá conta da importância da escuta e indica que futuramente quer dar espaço na sua vida para a “disponibilidade e vulnerabilidade”.

“Há uma comunidade cristã na Inglaterra onde os residentes fazem votos de disponibilidade e vulnerabilidade. E eu acho que nunca como agora a disponibilidade é alguma coisa preciosa. A vulnerabilidade, para mim, significa sobretudo aceitar que eu sou alguém a caminho, que eu estou incompleto, que eu não estou perfeito e que não tenho que comunicar aos outros a minha melhor versão. Percebo que quando eu mostro esse lado, quando eu não o escondo, encorajo os outros a mostrarem-se também. Penso que é o que me é proposto nesta etapa da minha vida”, explica.

Nascido em Angola, inserido numa educação tradicional católica, Alfredo Abreu conheceu, aos 17 anos, com a tradição protestante, nos Estados Unidos da América, “faces de Jesus que nunca tinha conhecido”, ao ponto de decidir, aos 18 anos, “seguir Jesus para onde quer que Ele vá”.

Alfredo Abreu é fundador da associação cristã ‘A Rocha’, que alia a espiritualidade e a ecologia, esteve na génese da iniciativa ‘A Bíblia Manuscrita’, desenvolvida pela Sociedade Bíblica, integrou os GBU, grupos de estudantes universitários para o desenvolvimento do estudo da Bíblia, integrando atualmente uma comunidade não denominacional.

O relatório síntese da primeira Assembleia do Sínodo dos Bispos, decorrida em outubro, reconhece a presença “difusa em muitas partes do mundo” de “comunidades de base ou pequenas comunidades cristãs” que “favorecem as práticas de escuta dos batizados e entre os próprios batizados”.

“Somos chamados a valorizar o seu potencial, examinando também como seria possível adaptá-las aos contextos urbanos”, pode ler-se no documento publicado pela Secretaria do Sínodo dos Bispos.

Alfredo Abreu fala de uma “ideia incompleta” mas que se vai concretizando em diferentes locais do mundo como “laboratório” e “expressões do corpo de Cristo” que, “na diversidade”, levam “o amor de Deus a lugares onde outras chegam”.

“A nossa pequena comunidade é apenas uma expressão simples, muito simples, de chegar a outras pessoas na nossa paróquia, que por uma razão ou por outra, deixaram de se rever nas propostas que havia. Não temos a ambição de ser uma resposta alternativa. Estamos apenas a tentar viver a nossa fé cuidando dos nossos vizinhos e sendo um lugar acolhedor para o caso deles quererem caminhar connosco, procurando conhecer as outras comunidades católicas e protestantes na zona da cidade onde vivemos”, apresenta.

Questionado sobre o processo que a Igreja católica vive, a partir do Sínodo dos Bispos dedicado ao tema «Por uma Igreja sinodal. Comunhão, participação, missão», Alfredo lembra a “ação do Espírito” que faz acontecer e “só mais tarde nos faz perceber”.

Olhando para os cristãos que vivem em diferentes comunidades, com o olhar de Cristo, talvez nos alivie um pouco essa exigência, que pomos sobre nós próprios, de tentar classificá-los, catalogá-los e colocá-los nalguma hierarquia de perfeição ou imperfeição”.

A conversa com Alfredo Abreu pode ser acompanhada esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no portal de informação e no podcast ‘Alarga a tua tenda‘.

LS

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