Sociedade: Família de acolhimento pode ser resposta para evitar institucionalização de bebé encontrado num caixote do lixo

Ana Sofia Marques, jurista na associação Candeia, acredita que sociedade civil pode fazer a diferença na vida de crianças em casas de acolhimento

Foto: INEM

Lisboa, 08 nov 2019 (Ecclesia) – Ana Sofia Marques, jurista na associação Amigos Pra Vida, disse hoje que uma família de acolhimento pode evitar a institucionalização do bebé que foi encontrado por uma pessoa em situação de sem-abrigo, antes da concretização do processo de adoção.

“O mediatismo da situação pode ser posto ao serviço de outras crianças. Espero que este bebé encontre rapidamente a melhor resposta, mas há outros anónimos que passam por circunstâncias parecidas e não têm a sua situação resolvida”, explicou a jurista do projeto Amigos Pra Vida, da associação Candeia, à Agência ECCLESIA.

A Polícia Judiciária (PJ) deteve hoje de madrugada na zona de Lisboa uma mulher de 22 anos, presumível mãe do recém-nascido encontrado na terça-feira num caixote do lixo em Lisboa; a jovem  “vivia em condições precárias na via pública”, informa a PJ.

Na quinta-feira, o responsável pela unidade de cuidados intensivos neonatais do Hospital Dona Estefânia disse que o recém-nascido “é um bebé saudável”.

O projeto Amigos Pra Vida “angaria, seleciona, forma e acompanha adultos e famílias voluntárias que desejem estabelecer laços de amizade com uma criança ou jovem que, viva numa casa de acolhimento residencial e possa beneficiar de uma relação de amizade”, pode ler-se na apresentação da associação no seu site.

O objetivo é “criar uma plataforma onde adultos e famílias se possam inscrever como voluntários; entidades competentes possam sinalizar crianças e jovens que beneficiem desta relação”, tendo sempre o interesse da criança em primeiro lugar.

A medida do acolhimento familiar está prevista na lei desde 1999, tendo havido uma alteração em 2015, que “reforçou a necessidade de as crianças entre os 0 aos 6 anos serem acolhidas em famílias antes de se pensar da possibilidade de colocação em casas de acolhimento”.

“Esta é uma necessidade acompanhada do ponto de vista científico porque se conhece o benefício da integração das crianças nas famílias nos primeiros anos de vida e os prejuízos emocionais que causa a sua institucionalização, por melhor que a instituição e os cuidadores sejam”, sublinha Ana Sofia Marques.

A jurista explica haver “vontade política para que as IPSS se possam constituir como entidades reguladoras de famílias de acolhimento”, mas a realidade é que apenas uma associação no norte do país, «Mundos de Vida», tem um acordo com a Segurança Social para esse efeito.

“A lei permite que outras IPSS possam fazer este enquadramento mas ainda não há da parte da Segurança Social a manifestação de interesse nesse acordo”, indica.

Fora do distrito de Lisboa é a Segurança Social que desempenha esse papel e na capital é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo lançado uma campanha com esse fim: “Este enquadramento poderia ser disseminado pelo país e ainda não é”, enquadra a jurista.

Ana Sofia explica que se cada IPSS pudesse encarregar-se de cinco famílias, encontrava-se uma resposta sem precedentes: “Se cada IPSS que tem vocação e desenvolve trabalho nesta área, tiver uma equipa técnica para fazer este acompanhamento, os tribunais saberão que contam com esta resposta”.

“Quando se pergunta, na altura própria do processo, se existe família de acolhimento a resposta tem sido não. No momento em que isto for uma prioridade política mas estiver também na consciência das pessoas que estão à frente da decisão dos processos, acredito que a sociedade civil se vai mobilizar para dar resposta. Quando é uma necessidade mas que não é querida por todos, as famílias que se voluntariam não são muito bem tratadas”, explica.

A entrevistada indica haver muito trabalho a fazer nas diferentes fases de um processo de adoção para que “em poucos meses” uma criança possa “conhecer a sua família”, mas enquanto isso não acontece “deveria promover-se imediatamente a notificação para saber se há uma família de acolhimento disponível”.

A responsável indica que a disponibilidade de haver famílias de acolhimento tem de surgir da sociedade civil, “não do Estado”.

“As famílias de acolhimento não surgem do Estado mas da sociedade civil: surgem da sua sensibilização e da sua vontade capacitada de ajudar”, traduz Ana Sofia Marques.

A capacitação para ser família de acolhimento é trabalhada por entidades responsáveis e “não pode ser um impulso de compaixão”.

“Trata-se de um discernimento familiar, de ver competência, avaliações e perceber se os objetivos são os certos com as entidades responsáveis a fazer o acompanhamento para a tomada de decisão”, traduz a jurista que enfatiza a importância das famílias “quando uma criança entra no sistema” institucional.

A jurista afirma que as famílias de acolhimento podem fazer a diferença na vida de uma criança que beneficia de relações familiares ao invés de estar, no caso de bebés, um ano, por vezes, numa casa de acolhimento enquanto se espera que o processo de adoção avance.

LS

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