Refugiados: Contar num palco uma «história bizarra» e o sonho de quem chega

Sebastião Castanheira Martins esteve em duas missões, na Grécia e no Bangladesh, e sonhou fazer do teatro um espaço de liberdade com 15 pessoas refugiadas

Agencia ECCLESIA/HM

Lisboa, 14 abr 2022 (Ecclesia) – Sebastião Castanheira Martins, médico interno em psiquiatria e diretor artístico da peça «Une histoire bizarre», diz que é importante falar sobre o “sonho” e o futuro das pessoas refugiadas que chegam, mais do que o passado.

“(A peça de teatro) É sobre pessoas que tiveram de fugir do seu país, chegar cá, mas falamos mais do que isso, sobre a sua ideia de futuro, sobre o que é estar cá. Nós queremos falar sobre o futuro”, refere à agência ECCLESIA o produtor da peça de teatro que junta 15 pessoas refugiadas e nove línguas diferentes em palco.

“Nesta partilha e encontro de culturas de nove países diferentes, criou-se um ambiente e um espaço de total liberdade e uma pequena família que facilita a integração e inclusão. Abrir as portas é fácil, o que não é fácil é mantê-los felizes. Faltam projetos de inclusão e integração que pensem além do dar um x por mês, arranjar trabalho… há outras coisas essenciais. Este teatro faz isso e tem sido uma ferramenta essencial para conhecer outras pessoas que partilham a mesma história”, acrescenta.

«Une histoire bizarre» é uma peça de teatro que nasceu depois da experiência de Sebastião Castanheira Martins ter estado em dois campos de refugiados, em Lesbos, na Grécia, e Kutupalong, no Bangladesh.

“Quando cheguei do Bangladesh, falei com o encenador Júlio Martin, diretor do Teatro Académico de Lisboa, com quem tinha feito teatro no 6º ano da faculdade, com quem partilhei esta ideia. Gostava de criar um espaço onde as pessoas pudessem ser livres e contar a sua história. O teatro e a arte têm a capacidade de unir pessoas de locais tão diferentes”, sublinha.

A peça vai estrear no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, no dia 23 de abril; vai estar ainda no Auditório da Boa Nova, no Estoril, no dia 1 de maio, e no Auditório de Santa Joana Princesa, em Lisboa, nos dia 7 e 8 de maio.

A arte é um santuário de liberdade e união que é extraordinário. E tem outra capacidade: nós queríamos que fosse uma peça de teatro, não será documental. Vamos relatar as histórias mas vamos fazê-lo da forma como sentem confortáveis e de forma poética. Nós já sabemos os horrores pelos quais eles passaram e muitas coisas que viveram – as pessoas já o conhecem, mas desconhecem a pessoa para além do refugiado e os seus sonhos, o que trazem para além do passado”.

Aos 27 anos, Sebastião castanheira Martins confirmou junto dos refugiados a especialidade médica que vai seguir.

Foto: Agência ECCLESIA/MC

“Foi em Lesbos que percebi o poder e a importância que é contar uma história e do efeito terapêutico. Lá, dados os poucos recursos que temos, o tratamento mais importante é estar, ouvir. A primeira coisa, antes de medicação, escrever no computador, de pedir um exame, é ouvir, escutar atentamente. E as pessoas naquele contexto, quando sentem que estão a ser ouvidas, ficam muito agradecidas”, explica.

Foi de um desses encontros, anotado depois no caderno que o acompanha para todo o lado, que surgiu a ideia de mostrar em palco a vida das pessoas refugiadas.

“Nesse contexto uma senhora chegou e eu perguntei o que podia fazer para a ajudar, e depois de um longo silencio, ela disse «Je vais te raconter une histoire bizarre». No final agradeceu apenas e disse que precisava de um espaço para contar a sua história.”, recorda.

O jovem médico afirma que a vida “é uma viagem” que deixará “muita coisa por fazer”, mas acredita que se podem deixar sementes “que um dia crescem”.

Nós retraímos muito a dúvida, não damos espaço à dúvida, a pensar sobre ela e até a catalisá-la, fazendo dela um motor para outras coisas. Há muitas coisas que me falta fazer mas se há uma coisa que já fiz e que muito me orgulho é ter dado sempre espaço a esta dúvida e a usá-la, em meu proveito e em proveito dos outros. Nem todos temos de saber o que vamos fazer daqui a cinco ou dez anos: eu continuo sem saber onde vou estar daqui a 10 anos e se não estiver num consultório a fazer consultas de psiquiatria não há problema, vou para onde o mundo me levar. Temos muito de dar espaço a esta dúvida, porque dela nascem respostas e coisas muito bonitas. Este projeto nasce um pouco desta dúvida”.

A entrevista a Sebastião Castanheira Martins pode ser acompanhada esta noite, no programa de rádio na Antena 1, e posteriormente no podcast disponível na Agência ECCLERSIA.

LS

 

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