Proteção de menores e adultos vulneráveis – Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa

Introdução

1. A vontade salvífica de Deus não exclui ninguém do seu amor. Pelo contrário, Deus a todos convida para que vivam em comunhão com Ele. O homem e a mulher, formados à imagem e semelhança de Deus, adquirem uma especial dignidade, não só pela sua origem, mas também e, sobretudo, pelo facto de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ter oferecido a sua vida em resgate de todos, com a sua paixão, morte na cruz e ressurreição.

Nos Evangelhos, Jesus, não só repreende os discípulos que impediam as crianças de se aproximarem d’Ele, mas abençoa essas mesmas crianças e coloca-as como exemplo para todos os outros discípulos (cf. Mt 19,16-22; Mc 10, 13-16; 18,18-23).

A fragilidade do ser humano, a realidade do pecado e o mau uso da própria liberdade no relacionamento com os outros, entre outros fatores, são elementos antropológicos que é necessário ter em consideração no percurso de conversão pessoal, de acompanhamento e de cura, à qual Jesus Cristo convida continuamente a sua Igreja, em todos os tempos e em todos os lugares.

O menor e o adulto vulnerável são uma prioridade para a sociedade e para a Igreja. A forma firme e clara de rejeição de situações de abuso de menores e adultos vulneráveis constitui um ato de justiça e a afirmação dos valores do Evangelho em continuação da tradição cristã.

2. “As famílias devem saber que a Igreja não poupa esforços para tutelar os seus filhos e têm o direito de se dirigir a ela com plena confiança, porque é uma casa segura.”[1] Incentivados pelas palavras do Papa Francisco, e em conformidade com as recomendações da Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa assume, como sua missão, promover, de um modo eficaz e concreto, um ambiente são e seguro para todos, mas particularmente para os mais jovens, os mais indefesos e aqueles que mais necessitam de proteção. A Igreja em Portugal continua a ouvir o apelo de Jesus dirigido aos Apóstolos: “Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino dos Céus” (Mt 19, 14).

3. Os Bispos portugueses desejam reiterar um renovado compromisso de fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que os fiéis, a começar pelas crianças, adolescentes, jovens e pelos mais vulneráveis, possam encontrar na Igreja um ambiente sadio e seguro, onde o encontro com Deus, com a sua Palavra e com a sua presença viva e real na Eucaristia possam transmitir a sua graça e beleza sem quaisquer obstáculos.

4. Estas Diretrizes pretendem ser um instrumento à disposição da Igreja em Portugal para a aplicação das normas pastorais e jurídicas publicadas desde 2012, ano em que a Conferência Episcopal Portuguesa emanou as “Diretrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do clero ou praticados no âmbito da atividade de pessoas jurídicas canónicas”. Este texto, tendo por base essas mesmas Diretrizes, foi enriquecido pela experiência eclesial de várias instituições, nomeadamente da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores.

 5. Como orientações, as presentes Diretrizes não esgotam nem podem em caso algum esgotar os comportamentos a adotar em cada caso concreto, de acordo com uma sã e correta consciência, formada nos valores do Evangelho.

 

Princípios inspiradores

6. Não há palavras que possam descrever a abominável realidade do abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, e as terríveis consequências que esta realidade teve e continua a ter na vida das vítimas desses abusos. Esta dramática realidade não tem lugar apenas na Igreja, mas esta recebe o convite do Papa a encontrar os instrumentos mais eficazes e duradouros para que, no seu seio, todos os fiéis e os homens e mulheres de boa vontade possam encontrar refúgio seguro. Pela fé e pelos ensinamentos de Jesus Cristo, sabemos que até as realidades mais cruéis e inexplicavelmente duras se podem e devem abrir à esperança.

7. Estas Diretrizes procuram, em primeiro lugar, colocar diante dos olhos de todos aqueles que, na Igreja, exercem alguma função ou prestam a sua colaboração, a necessidade de, com o seu testemunho de vida e com a prática de uma caridade viva inspirada no modelo que é Jesus Cristo, promoverem condutas que assegurem a todos um ambiente absolutamente seguro, transparente, alegre e cheio de esperança.

8. Tendo em conta o Magistério pontifício mais recente, são princípios inspiradores destas Diretrizes:

a) a certeza de que, mesmo nos momentos mais difíceis e complexos, Jesus Cristo nunca abandona o seu Povo. Desse modo, são perenemente atuais as palavras do Papa Francisco: “convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar.”[2]

b) a necessidade de uma especial proteção para os menores e os mais vulneráveis, os quais merecem ser tutelados por todos os meios à disposição, não só da Igreja, mas também da sociedade, dando especial importância à colaboração com as autoridades civis e recorrendo a especialistas qualificados de várias áreas disciplinares;

c) a urgência de promover uma formação específica dirigida aos agentes pastorais, aos que lidam com menores e adultos vulneráveis e aos que tutelam a proteção de menores em todos os níveis da ação eclesial;

d) a necessidade de tratar, com mecanismos eficazes, todos os casos de abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, desde o momento da sua sinalização ou denúncia até à conclusão dos procedimentos canónicos, civis e pastorais previstos;

e) a importância de dar prioridade à prevenção de abusos, não só dentro do espaço eclesial, mas dentro da sociedade civil na qual a Igreja em Portugal está inserida.

 

Âmbito de Aplicação

9. Estas Diretrizes têm como objetivo explicitar e aplicar a atual normativa canónica e as indicações pastorais do Magistério pontifício mais recente ao âmbito da vida, das instituições e das iniciativas da Igreja Católica em Portugal naquilo que se refere à proteção e tutela dos menores e dos adultos vulneráveis. Por conseguinte, estão sujeitas a estas Diretrizes:

a) As Dioceses, Paróquias, pessoas jurídicas canónicas e demais instituições eclesiais, incluindo os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica;

b) Outras instituições não contempladas na alínea anterior, na medida em que exerçam a sua atividade eclesial em território português;

c) Todos os clérigos, religiosos/as e leigos/as consagrados/as a exercer o seu ministério e a sua atividade pastoral em território português;

d) Os leigos/as, na medida em que participem no âmbito das iniciativas ou atividades promovidas pela Igreja Católica em Portugal ou por alguma das entidades referidas nas alíneas a) e b).

 

10. Este documento não pretende substituir, mas sim ampliar o horizonte dos procedimentos canónicos já previstos para o tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis, que estão previstos no Código de Direito Canónico, no “Motu Proprio” Sacramentorum sanctitatis tutela, no “Motu Proprio” Vos estis lux mundi e outras normas canónicas, descritas com detalhe no Vademecum publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé a 16 de julho de 2020 e que se encontram em anexo a estas Diretrizes.

 

A formação dos candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada

11. Em conformidade com quanto previsto nas Diretrizes anteriores da Conferência Episcopal Portuguesa, devem adotar-se os meios necessários para o conhecimento aprofundado das pessoas que se apresentam como candidatas ao sacerdócio e à vida consagrada no âmbito eclesial e ter-se um cuidado particular na sua admissão aos seminários e a outras casas de formação. Em todo este processo de discernimento vocacional, tenham-se em conta os documentos mais recentes do Magistério da Igreja, nomeadamente a nova Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis.

12. Os responsáveis pela pastoral vocacional e todos os formadores dos seminários e dos institutos de vida consagrada estarão especialmente disponíveis para oferecer o apoio psicológico e espiritual, dentro dos limites das suas competências, promovendo um saudável amadurecimento psicológico e afetivo dos formandos e dos seminaristas ao ministério ordenado e à vida consagrada, tanto no processo de admissão como nas várias etapas de formação.

 

Agentes Pastorais

13. Por agentes pastorais entendem-se aqueles que estão referidos no n. 9, c) e d) destas Diretrizes. A escolha de agentes pastorais, sejam eles clérigos ou leigos, deve passar a contar, onde isso ainda não acontece, com uma análise da idoneidade dos candidatos a interagirem com menores e adultos vulneráveis, sem descartar a possibilidade de requerer atestados civis ou certidões de registo criminal.

14. Os agentes pastorais devem receber, por parte das instituições que servem, uma formação adequada sobre:

a) como prevenir o abuso sexual de menores e adultos vulneráveis;

b) como identificar possíveis casos e como agir de modo a que esses casos sejam tratados pela autoridade competente;

c) como promover um ambiente sadio dentro das atividades promovidas pela Igreja, recorrendo a mecanismos que defendam os menores e adultos vulneráveis, nomeadamente em cumprir as boas práticas recomendadas pelas autoridades canónicas e civis no trato com esses menores e adultos vulneráveis.

15. Os colaboradores ocasionais nas atividades e iniciativas eclesiais devem ter à sua disposição informação sobre como interagir com menores e adultos vulneráveis. Esta informação deve abordar não só os comportamentos que sejam proibidos, mas também promover uma conduta que, de modo positivo, valorize uma interação segura e respeitadora dos menores e adultos vulneráveis.

 

Atividades Pastorais

16. As atividades pastorais da Igreja Católica têm, como principal objetivo, anunciar o Evangelho vivo e belo, revelado por Jesus Cristo com as suas palavras e obras. Por conseguinte, nas atividades pastorais nas quais tomem parte menores e adultos vulneráveis, tutelar a sua segurança deve ser uma prioridade de todos. Assim, nas atividades da Igreja Católica, os agentes pastorais, clérigos ou leigos, deverão sempre:

a) ser prudentes e mostrar um profundo respeito para com os menores e adultos vulneráveis;

b) oferecer-lhes um modelo e um testemunho vivo de fé, esperança e caridade;

c) estar em lugares visíveis a outras pessoas quando estejam com menores e adultos vulneráveis;

d) informar os responsáveis pela atividade sobre qualquer comportamento potencialmente perigoso;

e) respeitar sempre e acima de tudo a esfera de intimidade de cada menor e adulto vulnerável;

f) manter os pais ou legítimos tutores dos menores e adultos vulneráveis informados sobre as atividades desenvolvidas e o modo como se realizarão;

g) usar a necessária prudência ao comunicar com menores e adultos vulneráveis, quer de modo presencial, quer recorrendo a meios telefónicos, digitais ou outros.

 

17. Aos agentes pastorais, na sua relação com menores ou adultos vulneráveis, é absolutamente proibido:

a) aplicar qualquer tipo de castigo corporal a menores e adultos vulneráveis;

b) colocar um menor ou adulto vulnerável numa situação potencialmente perigosa para a sua segurança física ou psíquica;

c) entrar em contacto com um menor ou adulto vulnerável de modo ofensivo ou ter comportamentos inapropriados ou com conotações sexuais, sejam essas conotações explícitas ou dissimuladas;

d) estabelecer um contacto ou relacionamento preferencial com um menor ou adulto vulnerável;

e) discriminar um menor e adulto vulnerável ou um grupo de menores e adultos vulneráveis;

f) pedir a um menor ou adulto vulnerável para guardar segredo sobre possíveis comportamentos inadequados;

g) fotografar ou filmar um menor ou adulto vulnerável sem o consentimento dado por escrito pelos pais ou tutores;

h) publicar, por qualquer meio físico ou digital, imagens onde seja possível identificar um ou mais menores ou adultos vulneráveis sem o consentimento dos pais ou tutores.

 

18. As atividades pastorais devem ter lugar em locais adaptados às idades e à situação dos menores e adultos vulneráveis. Na medida do possível, os agentes pastorais deverão procurar que os menores e adultos vulneráveis não entrem nem permaneçam em lugares escondidos ou fora do seu alcance.

19. Possíveis comportamentos inapropriados entre menores ou de bullying entre eles devem ser imediatamente resolvidos com equilíbrio e prudência, informando imediatamente os pais ou tutores e envolvendo-os sempre nos processos de resolução deste tipo de situações.

20. Em todas as atividades pastorais promovidas pelas entidades referidas no n. 9, a), é indispensável que os pais ou tutores dos menores e adultos vulneráveis concedam autorização. Para as atividades extraordinárias requer-se autorização por escrito, para que os menores possam participar nelas. Os pais ou tutores recebam informação sobre a atividade proposta, sobre os responsáveis da atividade e sobre os contatos desses responsáveis.

21. O consentimento prestado por escrito é necessário para poder fotografar ou filmar os menores e pessoas vulneráveis e para publicar essas fotografias ou filmes, de modo físico ou digital, por qualquer modo ou meio.

22. Todos estes mecanismos devem respeitar a normativa canónica e civil aplicáveis, nomeadamente no que se refere ao tratamento e proteção dos dados de todos os envolvidos.

 

Comissões Diocesanas

23. Cada Bispo dote a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis de pessoas verdadeiramente especialistas nas várias áreas que envolvem a prevenção, formação, acompanhamento e escuta, tanto dos menores e adultos vulneráveis como dos seus responsáveis.

24. Cada Comissão Diocesana tenha regulamento de funcionamento próprio, que determine as suas competências, a periodicidade dos seus encontros e os seus objetivos, tendo em conta a realidade própria de cada Diocese.

25. A Conferência Episcopal procure manter-se informada das atividades de cada Comissão e, na medida das suas possibilidades, unir esforços entre elas, de modo a que o trabalho de cada Comissão Diocesana possa ser realizado em conjunto com outras entidades eclesiais e civis. Entre as possíveis iniciativas promovidas pela Conferência Episcopal, podem incluir-se encontros de formação e de partilha de experiências, a possível elaboração de manuais de boas práticas a serem implementados pelas entidades eclesiais onde ainda não existam e outras iniciativas semelhantes.

 

Prevenção de casos de abuso

26. Sem detrimento da necessidade de tratar os casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis que venham a ocorrer dentro do âmbito eclesial, a prioridade da Conferência Episcopal Portuguesa e de todas as instituições eclesiais há de ser a prevenção desses abusos, também os que acontecem por meios digitais. Por conseguinte, é necessário promover programas de formação adequados, recorrendo a especialistas das várias áreas de tutela e proteção de menores e adultos vulneráveis, que sejam verdadeiramente peritos e respeitadores de uma antropologia que não negue os princípios cristãos.

27. A Igreja, a nível local, procure estabelecer parcerias em colaboração com outras instituições, no âmbito da educação, da assistência social e da cultura de modo a fomentar, em toda a sociedade, uma consciencialização da necessidade de prevenir comportamentos de risco no que se refere à proteção de menores e adultos vulneráveis.

 

Tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis

28. O modo de tratar os possíveis casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis está amplamente previsto no Vademecum publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé, o qual deve ser integralmente aplicado. Aquilo que estas Diretrizes salientam é um renovado compromisso, por parte de todos os membros da Igreja, em estarem disponíveis para escutar, acompanhar e garantir uma adequada assistência médica, espiritual e social às vítimas dos abusos e aos seus familiares, no âmbito das atividades eclesiais.

29. Como tem sido prática até agora, a Igreja cooperará com a sociedade e com as respetivas autoridades civis; tomará em atenção todas as sinalizações que lhe cheguem e responderá com transparência e prontidão às autoridades competentes em qualquer situação relacionada com abuso de menores, na salvaguarda dos direitos das pessoas, incluindo o seu bom nome e o princípio da presunção de inocência.

 

Promulgação

30. As presentes Diretrizes sobre a proteção de menores e adultos vulneráveis entrarão em vigor por meio de Decreto do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, depois de aprovadas nos termos dos Estatutos da Conferência Episcopal Portuguesa.

Fátima, 13 de novembro de 2020

 

[1] Papa Francisco, Carta sobre a Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, 02.02.2015.

[2] Papa Francisco, Exortação apostólica Evangelii gaudium (24.11.2013), n. 3.

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