Fundadora da Ajuda de Berço sublinha desafios que se colocam à instituição e diz que falta «sensibilização da comunidade» para casos mais complexos
Lisboa, 08 dez 2024 (Ecclesia) – A fundadora da Ajuda de Berço, instituição que se dedica ao acolhimento de crianças em risco, afirmou que é preciso sensibilizar e mobilizar as famílias que querem “fazer a diferença”, em particular perante casos mais complexos.
“Se há um apelo que possa fazer, a partir daqui, é que as pessoas que têm esta generosidade, que sentem este apelo de fazer a diferença na vida de uma criança, não tenham medo e pensem nas crianças que mais precisam”, refere Sandra Anastácio, convidada da entrevista conjunta Ecclesia/Renascença, publicada e emitida semanalmente aos domingos.
“Eu tenho crianças há vários anos, com sentença de adoção, que não são adotadas porque não há famílias para o perfil daquelas crianças”, acrescenta.
A Ajuda de Berço foi fundada em março de 1998 e abriu a sua primeira casa de acolhimento em janeiro do ano seguinte com 20 camas; em 26 anos acolheu centenas de crianças e tem hoje capacidade para 35 menores.
A entrevista refere as mudanças da “regulamentação das casas de acolhimento residencial para criança” e as dificuldades da própria instituição, que vive essencialmente de donativos.
“Angariar dinheiro não é fácil, o Estado comparticipa com uma percentagem muito reduzida”, adverte.
Para Sandra Anastácio, é possível criar um “ambiente familiar” em instituições como a Ajuda de Berço, embora admita que “uma casa de acolhimento não é a melhor solução para nenhuma criança”.
“Agora, o que é que nós estamos a oferecer? Estamos a oferecer famílias de acolhimento que não são definitivas para a vida de uma criança”, lamenta a responsável, para quem esta solução acaba por ser “mais perversa para uma criança que se vincula a pessoas específicas, que se habitua a colos e a nomes e até trata a mãe de acolhimento por mãe e depois vai conhecer outra mãe”.
“As casas de acolhimento hoje, na sua maioria, fazem a diferença”, acrescenta.
Com décadas de experiência, Sandra Anastácio observa que as famílias de acolhimento estão muito focadas na resposta a bebés.
“Há falta de sensibilização da comunidade para isto: uma criança na pré-adolescência dá mais trabalho do que um bebé, todos sabemos, a mochila que estas crianças trazem de sofrimento e até a sua história familiar é mais difícil”, indica.
A fundadora da Ajuda de Berço admite que é “bastante complicado” pensar em abrir as portas para uma criança mais velha, “com as suas questões de vida”.
“Este peso é muito difícil, a comunidade não está sensibilizada para isto, as entidades oficiais também não fazem um bom marketing ou uma boa política de verdade junto destes potenciais interessados em serem famílias de acolhimento”, afirma.
Enquanto não fizermos uma intervenção de força e de verdade junto das famílias portuguesas, não estamos a fazer nada”.
Sandra Anastácio aponta que a prioridade é capacitar as próprias famílias das crianças para que “sejam capazes de ser famílias”, verdadeiramente.
“A pobreza não pode ser um sinónimo de exclusão para um pai não ser pai, ou uma mãe não ser mãe. A saúde mental, que é um problema gravíssimo no nosso país e no nosso mundo hoje em dia, não pode ser também um fator de exclusão”, observa.
Do ponto de vista das crianças, a responsável destaca que o abandono é sentido como mais do que a ausência do pai ou da mão.
“O abandono é também quando o pai e a mãe vêm, mas não vêm como eu quero que venham – e que é quero é que o pai venha e me tire daqui”, explica.
A diretora da Ajuda de Berço diz que é preciso estender a mão a estas famílias, destacando que “um adulto é o resultado de uma criança ferida”.
“Ninguém entende o amor nem ninguém entende o cuidado ao outro, se não o teve”, declara.
A entrevistada diz que cumpre a sua missão como “um serviço de amor ao próximo”, com a ajuda da sua fé.
“Deus ajuda-nos bastante a perceber que o sofrimento não é gratuito e que nós todos juntos podemos mexer o mundo e tornar o mundo um sítio melhor”, indica.
Apesar das dificuldades financeiras, Sandra Anastácio acredita na Ajuda de Berço, que apresenta como “um serviço ao próximo”.
“A Ajuda de Berço, neste sentido, tem sido alvo de grandes milagres. O povo português tem sido muito generoso”, indica.
A instituição acaba de lançar a sua campanha de Natal, apelando a contributos financeiros e em bens específicos.
“Os meninos pedem as coisas materiais, mas há meninos que pedem as outras coisas que não são materiais, como por exemplo uma mãe e um pai, ou a fotografia dos pais que não conhecem. E isto é muito difícil”, refere a responsável.
Sandra Anastácio deixa uma mensagem final, às famílias portuguesas: “Não deixem de pensar nas crianças que mais precisam e não tenham medo”.
Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)