Pobreza: Pessoas em situação de sem-abrigo fora dos debates e agendas políticas – Comunidade Vida e Paz (c/vídeo)

IPSS apresentou carta aberta onde dá voz às pessoas que acompanha 365 dias por ano e lamenta que em 35 anos de atuação pessoas continuam invisíveis

Lisboa, 12 fev 2024 (Ecclesia) – Horácio Félix, presidente da Comunidade Vida e Paz lamenta que a situação de fragilidade e a falta de comparticipação para que o trabalho social se realize “não esteja na agenda política e nos debates para as próximas eleições”.

“O Ministério da Saúde deixou de financiar ou deixou de atualizar as comparticipações. Neste momento temos cerca de 200 camas no país e em diversas comunidades terapêuticas foram encerradas. Portanto, há muito menos tratamento e há muito mais pessoas a necessitar – a perceção e os números oficiais também demonstram isso. Mas não parece, infelizmente, que isto esteja na agenda política, não me parece, pelo menos até agora, que isto seja sequer tema nos debates que ouvimos sobre as próximas eleições”, lamenta em entrevista à Agência ECCLESIA.

“Nós esquecermos as pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis, criamos uma sociedade que não é uma sociedade solidária como todos nós aspiramos”, acrescenta.

A Comunidade Vida e Paz acompanha há 35 anos as pessoas em situação de sem-abrigo na cidade e Lisboa e lamenta, ao longo deste tempo, não haver alterações na forma como as pessoas são olhadas pela sociedade.

“As pessoas sentem-se como um número, como um caso, e não como o António, o Henrique, a Maria, o João. Isso é a maior preocupação e que infelizmente veio confirmar aquilo que já sabíamos, que as pessoas não são tratadas como pessoas. Muitas vezes dizemos o sem-abrigo e quando estamos a dizer o sem-abrigo parece-nos dizer os carros, as casas. Não, são pessoas, como qualquer um nós”, sublinha Nuno Fraga, voluntário da Instituição Particular de Solidariedade Social tutelada pelo patriarcado de Lisboa.

O voluntário reconhece que esse é um estigma que procura ser contrariado a cada noite quando as “quatro voltas passam por 100 pontos entre Lisboa e Amadora” para um contacto personalizado.

“Os voluntários integram as voltas de 15 em 15 dias e o objetivo é que quando encontrar a pessoa que há 15 dias me disse que se chamava Américo, eu não lhe vá perguntar qual é o nome. É importante. As pessoas têm que sentir-se como pessoas. São pessoas como nós”, conta.

A falta de reconhecimento foi uma das conclusões resultantes grupos de trabalho de pessoas em situação de sem-abrigo, formuladas numa carta aberta enviada a diversas entidades, promovida pela Comunidade Vida e Paz, assim como a falta de habitação que, indicam os responsáveis, deve ser diferenciada uma vez que a população em situação de sem-abrigo é também ela diversa nas suas necessidades.

“A questão da morada é muito importante, quer uma morada física, quer, eventualmente, só uma morada virtual, porque quando vamos à Segurança Social, não há morada, não há ficha. Vamos ao Instituto de Formação Profissional, não há morada, não há ficha. De certa forma, a pessoa não existe com a plenitude dos seus direitos se não tiver uma morada. É algo que nos preocupa, é algo para o qual ainda não encontramos solução e essa solução terá que ser feita com os serviços públicos. Mas, de facto, se não resolvermos esta questão, não conseguimos resolver o resto”, lamenta.

Horácio Félix alerta para a necessidade de “pontos de acolhimento diferenciados” focando a diferença de casos de pessoas em situação de sem-abrigo, com diferentes motivações, que são colocadas em abrigos com pessoas em situação de sem-abrigo com problemas de saúde mental, um problema que, indica, afeta 70% da população que vive na rua.

“São pessoas que têm uma situação particular, acabaram por cair na rua por outras razões, que precisam de ser alojados e os alojamentos de emergência que existem são para toda a gente. E, de facto, foi também das conclusões do inquérito, da audição que fizemos, foi até que ponto não seria justificável termos pontos de acolhimento diferenciados”, indica.

O presidente da IPSS indica que o trabalho da comunidade depende “financeiramente cerca de 50% dos protocolos com a segurança social”, destinado às comunidades de inserção e aos apartamentos, e que dependem de protocolos com o Ministério da Saúde para as comunidades terapêuticas.

“Se financeiramente os protocolos com o Ministério da Segurança Social têm sido atualizados anualmente, o mesmo não sucede com o Ministério da Saúde. O valor calculado em 2008 teve uma atualização em 2023. Esse valor foi atualizado uma única vez, o que nos provoca um constrangimento financeiro muito grande, ou seja, dependemos cada vez mais dos nossos benfeitores”, traduz.

Horácio Félix reconhece que o aumento do custo de vida teve consequências no apoio que os benfeitores disponibilizam: “De facto nós passamos por uma situação financeira preocupante”.

HM/LS

Partilhar:
Scroll to Top