O rap, a «sagrada família» que ajudou em Lesbos e o alter-ego musical do psicólogo João Ameal – Emissão 30-03-2023

Conversamos com João Ameal e com João Sem-Tempo. São a mesma pessoa, em duas facetas entre tantas que o compõem: psicólogo educacional que até faz rap se essa for a linguagem eleita para conseguir fazer o processo terapêutico com o seu paciente, e o músico que corre atrás do tempo para deixar que essa expressão intrínseca à sua vida saia de si.
Pelo meio há ainda os 10 minutos que dedica, todos os dias, a sentir o sol, a sentir a fé que sempre o acompanhou – apesar das dúvidas – e a agarrar uma mão, que sente presente na sua vida.
João Ameal regressa ainda, nesta conversa, a Lesbos, acompanhado pela mulher, naquela que foi “uma segunda lua-de-mel especial”, ocasião onde ajudaram uma «sagrada família».

«A crise dos refugiados estava mais presente que nunca e sentíamo-nos muito impotentes e desinformados, na verdade. Envolvemo-nos com a Plataforma de Apoio aos Refugiados e fomos, como voluntários. Um campo de refugiados em termos de saúde mental é mais grave do que estar preso: ali não há previsão, é a vida em suspenso com adultos muito deprimidos, crianças aos Deus dará, muitos traumatizados com a guerra e a viagem e eu olhava e não sabia o que fazer»

«Ligaram-nos às 4h da manhã, pegamos no carro que era da PAR e fomos ter ao campo para supostamente ajudar um casal, cuja mulher estava grávida de gémeos, teria entrado em trabalho de parto e foi levada para o hospital. Fomos chamados para ficar com os filhos, mas quando chegamos, percebemos que afinal havia um tio disponível. Um tradutor manifestou vontade de ir ter com o casal ao hospital, que teria dificuldades de comunicação e decidimos levá-lo de carro. Quando chegamos ao hospital, disseram que a mulher não estava lá – afinal era uma intoxicação alimentar e tinham-na mandado embora, às 5h da manhã, com três graus negativos e a vários quilómetros de distância do campo. Percorremos ruas à procura do casal, finalmente encontramos e mal a mulher entro no carro desmaiou. Nem acreditavam que alguém podia estar à sua procura, sentiam-se sós e abandonados pelo mundo. Nunca vou esquecer o olhar do marido, de impotência. Aquele casal, para mim, foi uma sagrada família – sozinhos e rejeitados, à procura de uma estalagem. O nosso carro velho foi um anjo a chegar. Num lugar onde não há nada, um gesto faz uma enorme diferença».

«Temos uma segunda pandemia em mãos, mas é muito silenciosa que é a pandemia da saúde mental. Os números têm sido exponenciais. Todos os dias acompanho mais um adolescente com um ataque de ansiedade, de pânico. Isto é uma doença que mata e muito, e tem de ser encarada de forma séria ou arriscamo-nos a perder esta geração. Estou preocupado com os números alarmantes de miúdos que estão deprimidos, ansiosos, medicados. Se a geração acima não se preocupar seriamente em abordar isto com cuidado, vai ser muito difícil com esta geração chegar a um mercado de trabalho, tornar-se autónoma».

«O nosso mundo é muito rápido, demasiado exigente e a maior parte das pessoas acaba por fazer coisas em piloto automático. A imagem que tenho é de estarmos a correr numa passadeira do ginásio sem ir a lado nenhum, porque na verdade não sabemos para onde corremos. Algumas pessoas que acompanho estão desenfreadas à procura da felicidade, mas não sabem o que é e não sabem onde encontra-la. Criam objetivos que acham que é o que precisam, e correm atrás; quando lá chegam compreendem que não era aquilo, e gastam-se no caminho. Acredito que a felicidade passa por desacelerar primeiro, olhar à volta, viver uma coisa de cada vez, no presente e não no futuro que não vai chegar e não vai ser o que pensávamos que iria ser».

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