Natal: Música mostra o «fascínio» pelo mistério celebrado e traduz a ideia de «revelação» e «júbilo»

Sons fazem a «ponte com o sagrado», considera Rui Vieira Nery

Lisboa, 12 dez 2014 (Ecclesia) – O musicólogo Rui Vieira Nery considera que no Natal há uma "concentração" de músicas festivas que mostram um "fascínio" pelo mistério da encarnação do Filho de Deus e traduzem a ideia de "júbilo", "revelação" e "festa".

“Desde que temos a possibilidade de reconstruir a história da música ocidental, vemos que é precisamente na quadra do Natal que encontramos uma concentração de músicas festivas, umas mais formais, outras mais informais, umas de natureza popular, outras de natureza lírica mas basicamente há esta ideia de júbilo, de revelação e de festa”, afirmou Rui Vieira Nery em declarações à Agência ECCLESIA.

O antigo secretário de Estado da Cultura destaca, no caso da tradição musical portuguesa, os chamados “vilancicos de Natal”, uma tradição “riquíssima” dos séculos XVI e XVII, que são uma “espécie de diálogos” entre músicas eruditas e populares com o canto dos pastores, dos militares e dos escravos negros.

“Todas as classes sociais estão representadas com as suas músicas e as suas danças na adoração do Deus-Menino em Belém. É um fenómeno muito interessante, um bocadinho o equivalente aos presépios de Machado de Castro, a ideia do retrato, num caso plástico noutro caso musical do próprio tecido social que é chamado a Epifania”, desenvolve Rui Vieira Nery.

Sobre a realidade portuguesa, o interlocutor assinala ainda que hoje há uma “transformação” da mentalidade mas a importância das festas de Natal no “universo rural” motivou uma “concentração de músicas particularmente intensa”.

“A música transmite em geral essa ideia por um lado de mistério, de fascínio, como é que uma coisa tão pequenina e tão frágil é o filho de Deus e por outro lado uma ideia de carinho e de sensação de renovação ao mesmo tempo”, conta.

Para o musicólogo é “difícil escolher” uma obra popular que seja particularmente marcante, destacando, por exemplo, uma cantiga das beiras – ‘José embala o menino’ – que é “muito carinhosa” porque existe “cumplicidade”, quem embala o menino “não é a Virgem”.

Numa vertente mais erudita, Rui Vieira Nery, comenta o grande investimento musical no ciclo do Natal, desde a polifonia do século XVI e XVII, com Duarte Lobo; no século XVIII com Carlos Seixas, e no século XX, em particular Fernando Lopes-Graça com “as cantatas de Natal baseadas em músicas tradicionais portuguesas”.

O especialista revela que a música é necessária não só no Natal mas em “todas as celebrações” porque desde momentos de “júbilo e penitenciais” esta presença ajuda a fazer a “ponte com o sagrado”.

Neste contexto, o musicólogo considera que a ideia de que a presença na Igreja tem de ser “solene, tristonha, enfadonha” sem espaço para a “alegria” e para o próprio “fascínio e deslumbramento” é algo alheio à tradição.

Para o antigo secretário de Estado da Cultura a Contra-Reforma, “tão solene e austera”, percebeu, e em particular Portugal, que tinha de “haver um espaço de festa”.

“Sempre percebeu que ir à igreja não era uma espécie de penitência e a música ajuda a criar esse momento de felicidade, essa ponte com o dom de Deus que é a própria música”, analisou Rui Vieira Nery.

PR/CB

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