Música: A experiência «íntima e religiosa» de Sérgio Peixoto, quando «acontece perfeição» em cima de um palco

Diretor do coro «Mãos que cantam» recorda o percurso que o levou ao grupo Olisipo, aos Tetvocal, Coro Gunbenkian, «Sete Lágrimas» e a sentir a música como «o vento do Espírito»

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 15 mar 2023 (Ecclesia) – O cantor e maestro Sérgio Peixoto assume que a música é uma “fronteira” entre pessoas, “um meio” que as aproxima, mesmo que não se expliquem as sensações provocadas, alguns assumem ser “mágico” e outros “qualquer coisa de religioso”.

“Mozart e Bach foram essenciais. Quando começamos a descobrir estas músicas e a cantar as músicas, a entendê-las, o universo espiritual abre-se. A minha sensação é quando estou a cantar ou ouvir – já não é só o cantar – parece que a porta do céu se abre e mil imagens, mil sensações complementam-se nesta atitude mais espiritual”, conta à agência ECCLESIA o co-diretor do grupo musical «Sete lágrimas».

“A música, no seu sentido mais abstrato, não se pode tocar. É como o espírito. Quando participei numa obra «A missa de Pentecostes», composta por João Madureira para o grupo «Sete Lágrimas», senti que a música é o vento do Espírito. Gosto muito desta imagem e utilizo-a muito. Acho esta atitude muito íntima e religiosa. O silêncio, o som, estas duas coisas que parecem tão diferentes, não o são. O vento é muitas vezes um remoinho, às vezes é uma brisa, outras vezes é um furacão intenso. Gosto de pensar que é o Espírito Santo que nos orienta e guia”, acrescenta.

Sérgio Peixoto iniciou o seu percurso no mundo musical com cinco anos e radica em casa a sensação de “acolhimento” que a música sempre lhe provocou.

O ingresso no coro Gulbenkian, em 1998, permitiu-lhe conhecer orquestras e solistas “fantásticos”, maestros impressionantes, que o levaram “para outro universo”.

“Descobri intimamente Bach. Fiz uma tournée de 22 dias no Japão, em 2000, e tivemos 17 concertos, só com a Missa em Si Menor de Bach. No final, a missa já fazia parte do meu ADN, já sentia a missa como minha, já estávamos interligados. Foi a única vez que senti assim, foi muito intenso. Já ela se modelava à minha alma e às minhas cordas vocais. Quando comecei a ensaiar a missa era difícil e no último concerto já era natural. E isso é muito impressionante”, recorda.

Sobre aquilo que Sérgio Peixoto descreve como momentos “íntimos e religiosos”, regressa ao compositor alemão para afirmar seguramente que “Johann Sebastian Bach escutou Deus”.

Bach escutou Deus e Deus estava sobre o ombro de Bach a dizer «Estás a ir bem! É mesmo esse o caminho!» Tenho amigos que não são crentes e acreditam em Bach, que há ali algo de transcendente, de espiritual. Mas não conseguem explicar. Não sei se é pela técnica aprumadíssima do compositor – não é só isso – também a alma e julgo que esse vento do Espírito que cai sobre Bach, e ele transmitiu nas suas partituras, que durma até hoje, têm um efeito impressionante, mesmo nas pessoas que não creem. É o som, a melodia, a harmonia, eu chamo de matemática espiritual. Não há mais nada – é impossível. Já não era possível ir mais além. Não consigo explicar por palavras, é qualquer coisa de religioso para quem crê, mágico para quem não crê”.

O grupo vocal Olisipo, os Tetvocal e Coro Gulbenkian foram projetos que deram a Sérgio Peixoto a possibilidade de “descobrir a voz e o canto”, experimentá-los sem instrumentos, descobrir a “polifonia renascentista, a música romântica vocal, a música clássica vocal”, tendo o coro Gulbenkian – um “ninho de várias experiências musicais” – sido o local onde conheceu Filipe Faria, co-diretor do grupo Sete Lágrimas.

O projeto Sete Lágrimas é para Sérgio Peixoto o seu «prazer culposo», porque se “dirige a um nicho, apresenta música antiga e do mundo, anda numa fronteira com instrumentos antigos”, sendo um grupo muito experimental.

Sérgio Peixoto é hoje, entre outros projetos e participações que desenvolve, diretor do coro «Mãos que cantam», um coro educativo que pretende sensibilizar as pessoas surdas, “em especial as crianças” para a possibilidade de fazerem música, mas também um projeto “estético”, uma vez que estão a desenvolver a língua gestual portuguesa, a sua uniformização e aplicação ao mundo “artístico”.

“Desenvolver a língua gestual portuguesa, no seu aspeto artístico e estético, era algo que não se fazia e já se faz graças ao grupo «Mãos que cantam». A forma como se interpreta está a mudar porque veem os surdos a fazer este trabalho. Construímos gestos de direção musical que são diferentes dos gestos para um coro de ouvintes e desenvolvemos a língua gestual portuguesa no sentido estético e artístico do termo, tal como criamos gestos para conceitos que não estavam definidos, nem era uniformes no universo surdo. Isto é o desenvolver de uma língua”, explica.

A conversa com Sérgio Peixoto pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, na Antena 1, pouco depois da meia-noite, estando depois disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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