Migrações/Europa: «Solidariedade dos Estados europeus tem vindo a tornar-se cada vez menos presente» – Isabel Martins da Silva

Cofundadora da MEERU fala em crise de respostas, na União Europeia

Foto: RR

Porto, 24 set 2023 (Ecclesia) – Isabel Martins da Silva, cofundadora da MEERU (ONGD de apoio à integração de refugiados), considera que, mais do que uma crise de refugiados, existe uma crise de respostas e de “solidariedade”, na União Europeia.

“Nos últimos 10 anos tem-se insistido numa série de soluções, muitas vezes ad hoc, que não são vinculativas para os Estados e percebemos que a solidariedade dos Estados europeus tem vindo a tornar-se cada vez menos presente”, refere a jurista, convidada da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença.

A Igreja Católica celebra hoje Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, com o tema ‘Livres de escolher se migrar ou ficar – Livres de escrever o próprio futuro’, escolhido pelo Papa Francisco.

Para Isabel Martins da Silva, existe um “cansaço” da União Europeia que vai tornar “mais difícil encontrar coesão” na resposta aos desafios migratórios.

Questionado sobre o plano anunciado pela Comissão Europeia, Ursula von der Layen, na visita que fez a Lampedusa, a cofundadora da MEERU lamenta o “tom securitário, de colocar toda a causa do problema nos contrabandistas que fazem a passagem destas pessoas para a Europa”.

“Focarmo-nos, mais uma vez, na questão dos contrabandistas é esquecermos todas as causas de violência, perseguição, pobreza, miséria que estas pessoas vivem”, justifica.

A entrevistada convida a “recordar a dignidade inerente a cada uma destas pessoas, independentemente da sua travessia até à Europa e as causas que a levaram a isso”.

“Se não for de forma integrada, com outras soluções, na verdade estamos apenas a prender as pessoas a uma situação de sofrimento. Temos de, paralelamente, criar vias humanitárias, legais, seguras de chegada à Europa, mas nos últimos anos temos vindo a ver que não tem acontecido ou acontece de forma muito reduzida”, advertiu.

Aquilo que não temos conseguido, nos últimos anos, é fazer com que haja programas estruturados e que façam com que estas pessoas sejam recolocadas destes países de fronteira para outros países”.

Isabel Martins da Silva destaca que os números de chegadas diminuíram, mas os números de mortes se mantiveram “altos”, nas rotas migratórias para a Europa.

“As pessoas continuaram a arriscar as passagens, mas existia menos proteção no mar e as viagens tornaram-se mais arriscadas”, indica a responsável.

A jurista considera que os acordos assinados com países como a Tunísia são “uma forma de desresponsabilização da União Europeia e de externalização da gestão de fronteiras”, sem salvaguardar os Direitos Humanos.

A MEERU | Abrir Caminho está no terreno desde fevereiro de 2019, com o objetivo de tornar o acolhimento focado nas relações.

Focamo-nos em promover relações significativas, relações profundas de amizade entre quem acolhe e entre quem é acolhido, de forma que, um dia, nem se perceba esta dicotomia acolhedor-acolhido.

A entrevistada sublinha que “ainda há alguma resistência a arrendar a pessoas migrantes”, em Portugal, além das dificuldades no reconhecimento de competências.

“A questão da fixação, através da habitação, é aquilo que tem causado mais instabilidade nos processos de integração em Portugal”, precisa.

No Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2023, a cofundadora da MEERU recorda a sua recente viagem a Lampedusa, ilha italiana, onde percebeu “o impacto que a visita do Papa Francisco”, em 2013, teve na população local.

“O Papa Francisco tem sido para quem trabalha nesta área uma fonte de energia e ajuda-nos a perceber que, apesar das dificuldades, apesar de os números continuarem a ser assustadores, de podermos não ver aqui respostas ainda no nosso tempo de vida para este fenómeno, há que manter a esperança e permanecermos enquanto sentinelas”, conclui.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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