Igreja/Prisões: Coordenador da Pastoral Penitenciária contesta ideia de «depósitos» humanos

Padre José Luís Gonçalves da Costa admite que será preciso «começar do zero», em muitos casos, para acompanhar reclusos no pós-pandemia

Foto: RR/Joana Bougard

Lisboa, 06 jun 2021 (Ecclesia) – O coordenador nacional da Pastoral Penitenciária, da Igreja Católica, considera que a sociedade tem falhado em relação aos reclusos, transformando as prisões em “depósitos”, sem perspetivas de reinserção.

“Um dos problemas que existe em todos os estabelecimentos prisionais é a inatividade e esta, no quadro humano, é uma deformação: um homem que não tem um projeto, que não tem uma ocupação, um desafio, definha-se. Definha a sua capacidade humana, a sua capacidade relacional, a sua autoestima”, refere o padre José Luís Gonçalves da Costa, convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, publicada e emitida ao domingo.

O responsável católico, capelão prisional há duas décadas, alerta que uma “maioria apreciável” dos reclusos e nunca chegam a ficar “devidamente capacitados para uma vida em sociedade”.

“Temos também uma margem muito grande de reclusos e reclusas que não se conseguem reconciliar com a própria sociedade, e uma entrada não reconciliada será sempre uma entrada violenta e agressiva”, acrescenta.

Queremos as cadeias apenas para fazer depósito de uma humanidade em que já deixámos de acreditar? Ou queremos, de facto, ter aqui um sistema social que ainda possa oferecer um tempo, que não deixando de ser punição, pretende ser um tempo de purificação ou de transformação?”.

O coordenador nacional da Pastoral Penitenciária defende que é preciso começar a reintegração social “a partir do momento em que o recluso entra no estabelecimento prisional”.

O capelão no Estabelecimento Prisional de Caxias e no Hospital Prisional de São João de Deus entende que um padre “faz diferença numa prisão”, falado um espaço que “vive assente numa desconfiança permanente”.

“A presença da Igreja, a presença de realidades associativas naquela comunidade permite atenuar alguns processos desumanizantes”, observa.

O padre José Luís Gonçalves da Costa admite estranheza por não ter visto os reclusos com 70 ou 80 anos não serem “vacinados quando os outros idosos estavam a ser vacinados”.

“É difícil integrar mentalmente o espaço prisional no nosso espaço normal e habitual”, aponta.

Apesar das limitações da pandemia,  por carta, telefone ou, onde foi possível, por “meios telemáticos”, os casos mais graves e urgentes não deixaram de ser acompanhados pela Igreja Católica, mas há situações em que trabalho vai ter de recomeçar “do zero”.

“Vamos procurar fazer com que os nossos voluntários e colaboradores continuem em processo de formação. A realidade da Pastoral Penitenciária não pode viver só de uma entrega genuína, por parte dos voluntários, tem de haver aqui alguma formação específica”, indica o entrevistado.

O tema vai estar em destaque no XVI Encontro de Assistentes Espirituais e Religiosos, marcado para dia 21 de junho, em Fátima, sobre os novos desafios e prioridades desta área pastoral da Igreja Católica.

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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