Igreja/Abusos: Parlamento ouviu responsáveis da Comissão Independente

Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias debateu recomendações de relatório, apresentado em fevereiro, para a Igreja e a sociedade portuguesa

Lisboa, 02 mai 2023 (Ecclesia) – A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do Parlamento português, promove hoje uma audição de responsáveis católicos e da Comissão Independente (CI) para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja, em Portugal.

A iniciativa decorre na Sala do Senado, após requerimentos dos grupos parlamentares do Chega, PS e PSD.

Pedro Strecht, coordenador da antiga CI, foi o primeiro responsável a intervir, assinalando que o problema de abusos sexuais de menores é “transversal, em todas as sociedades” e se alarga a outras áreas da sociedade portuguesa, pelo que os dados sobre abusos na Igreja Católica são a “ponta do icebergue”.

O pedopsiquiatra apresentou o sumário executivo do relatório, com as suas principais conclusões, que apontam para “crimes graves”, com sugestões e recomendações, tanto para a Igreja Católica como para a sociedade portuguesa.

A CI, que encerrou a sua missão em fevereiro, foi constituída por Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Catarina Vasconcelos, Daniel Sampaio e Filipa Tavares.

O coordenador, que falou numa “cultura de ocultação”, declarou que o estudo pedido pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) trouxe o tema para o debate público e “pode ser estendido a outras áreas muito importantes da sociedade portuguesa”, a fim de ouvir “todos os que possam ter sido vítimas, em circunstância idênticas”, na sociedade, em geral.

A Comissão Independente, designada pela CEP, apresentou a 13 de fevereiro o seu relatório final, após um ano de trabalho, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022, e entregou aos responsáveis católicos de Portugal uma lista com nomes de alegados abusadores, no dia 3 de março.

Vários deputados abordaram a imposição de sigilo de confissão, em matéria de crimes sexuais contra crianças por membros da Igreja Católica, tendo a deputada do PAN, Inês de Sousa Real, pedido mesmo a revisão da Concordata.

O artigo 5 da Concordata de 2004 determina que “os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério”.

Laborinho Lúcio, jurista e membro da CI, lembrou aos deputados que o relatório final tinha convidado a Igreja a rever esse sigilo, questão que conta com “obstáculos enormes” do ponto de vista do Direito Canónico, remetendo quaisquer decisões para o âmbito “interno” da Igreja Católica.

A nova lei do Vaticano para a proteção de menores e pessoas vulneráveis determina a obrigatoriedade de denúncia de casos de abusos, excetuando as situações ligadas, precisamente, ao “sigilo sacramental”.

O confessor que violar diretamente esse sigilo incorre, de forma automática, em pena de excomunhão, de acordo com o Direito Canónico; a mesma pena é reservada a quem captar por meios técnicos o que for dito entre penitente e confessor.

A 1 de julho de 2019, o Vaticano publicou um novo documento sobre o chamado “segredo de Confissão”, a que está obrigado qualquer membro do clero católico, considerando que este sigilo não pode ser anulado por pressões políticas ou jurídicas.

A nota do Tribunal da Penitenciaria Apostólica (Santa Sé) considerava que “qualquer ação política ou iniciativa legislativa que vise forçar a inviolabilidade do sigilo sacramental “constituiria uma “ofensa inaceitável” contra a liberdade da Igreja e “uma violação da liberdade religiosa”, incluindo a liberdade de consciência dos cidadãos em causa, tanto penitentes como confessores.

O Vaticano acrescenta que não pode aceitar como condição de absolvição a obrigação de alguém se denunciar à justiça civil, em virtude do princípio ‘nemo tenetur se detegere’ (o direito de não produzir prova contra si mesmo).

“Pertence à própria estrutura do Sacramento da Reconciliação, como condição para a sua validade, o sincero arrependimento, juntamente com o firme propósito de emendar e não reiterar o mal cometido”, pode ler-se.

Ainda no Parlamento, foi debatida esta tarde a questão dos prazos de prescrição que, no Direito Canónico, é mais longo do que na legislação portuguesa: os casos prescrevem num prazo de 20 anos a partir do 18.º aniversário da vítima.

Essa prescrição pode ser revogada, em casos individuais, por decisão da Santa Sé, e os bispos devem dar sempre seguimento à investigação, mesmo constatando que decorreu o tempo para a prescrição.

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Os deputados vão ouvir, ainda hoje, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, a requerimento do grupo parlamentar do Chega, bem como D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, a requerimento dos grupos parlamentares do Chega e do PS, sobre as recomendações do relatório e a “anunciada mudança de paradigma nesta matéria”.

OC

Notícia atualizada às 16h29

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