Igreja: A inspiração da Doutrina Social da Igreja nos direitos e deveres de Deolinda Machado

Coordenadora da Liga Operária Católica, na diocese de Lisboa, e presidente do Conselho de Opinião da RTP, Deolinda Machado cresceu a combater desigualdades e encontra hoje na «Fratelli Tutti» a «constituição» para uma «ação política» partilhada

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 11 dez 2024 (Ecclesia) – Deolinda Machado pede que as “conquistas de abril” sejam afirmadas e a luta por áreas da educação, a saúde e a habitação para todos prossiga, e afirma a necessidade de “justiça fiscal” para que o Estado seja robusto.

“Ao longo da vida tenho lutado para que haja igualdade no acesso a bens essenciais. Não pode haver uma para quem não tem possibilidades; assim como a educação. A própria Constituição consagra, o público, o privado e o social, e há lugar para todas as ofertas, mas o Estado tem de ter a capacidade para oferecer serviços públicos a toda a população”, indica em entrevista à Agência ECCLESIA.

“É bom que haja justiça fiscal porque se cada pessoa pagar os impostos necessários seguramente o Estado estará muito mais robusto e com capacidade de investir nos hospitais, nas escolas e promover a justiça. É um dos pecados sociais e é responsabilidade nossa”, sublinha.

Deolinda Machado, presidente do Conselho de Opinião da RTP, disse que conheceu a intervenção cívica pouco depois do 25 de abril de 1974, quando, a sua aldeia se unir para reunir verbas para “alcatroar e eletrificar um caminho”, percorrido durante muitos anos para perseguir o sonho de continuar os estudos.

“Após o 25 de abril de 1974, o presidente da comissão instaladora decidiu criar, em cada aldeia, um morador responsável e na minha, em Vermoim, foi a minha mãe. Eu acompanhava-a às reuniões e tomava notas, tendo percebido as necessidades fulcrais naquela altura. Posso dizer que este foi o meu nascimento cidadão político, social, mais consciente”, recorda à Agência ECCLESIA.

Deolinda Machado foi a primeira trabalhadora estudante na empresa onde foi empregada, entre 150 funcionários, perseguindo durante anos o sonho de continuar os estudos, interrompidos aos 13 anos, quando a morte de um tio, que patrocinava a sua formação, a obrigou a ir trabalhar e a conhecer a realidade de tantas crianças na década de 60.

“Vivíamos na época da ditadura. Recordo-me de um cafezinho na aldeia, onde o meu pai ia e a minha mãe não – as mulheres não iam ao café, as mulheres não saiam à noite, não estudavam à noite. Eu fui a primeira da aldeia a estudar à noite. E os amigos do meu pai questionavam-no sobre isso, mas o meu pai sempre me dizia «Completa liberdade com máxima responsabilidade»”, recorda.

Herdeira da vivência dos pais na Liga Operária Católica, Deolinda Machado conheceu a realidade das crianças trabalhadoras num altura em que não havia emprego para os pais mas havia trabalho para os filhos, facto que a levou a lutar contra o trabalho infantil, na CNASTI – Confederação Nacional de Ação Sobre Trabalho Infantil.

Em casa, junto da mãe e do pai, que participavam da Ação Católica, alimentou o sonho e a esperança que afirma nunca ter perdido de ter e procurar ajudar outros a terem: “Teto, terra, trabalho”.

“É a nossa casa comum, de todos os habitantes do mundo, dos seres humanos. Temos de cuidar desta casa comum com a responsabilidade e a liberdade de cada um, das nações, das democracias. É preciso afirmá-las, defendê-las, trabalhá-las”, indica.

Decidiu estudar Ciências Religiosas porque acompanhava grupos de jovens e as respostas que eles procuravam não as encontravam no Catecismo, tendo depois prosseguido estudos na área da Educação, e estado ligada ao ensino durante cerca de 40 anos.

“Tive alunos, na altura da crise do Vale do Ave, mutilados, em dedos ou braços, porque eram obrigados a trabalhar para ajudar a família. Fui muitas vezes visitar os meus alunos, conhecer a sua realidade, para que continuassem a estudar e não optassem por outros caminhos”, recorda.

Hoje Deolinda Machado encontra inspiração na encíclica do Papa Francisco «Fratelli Tutti», sobre a amizade e a fraternidade, afirmando ser a sua “constituição”.

“É a minha constituição em termos sociais, em termos espirituais e políticos. O Papa escreve num capítulo sobre «Uma Política Melhor», e eu acredito nela e acredito que a política é a mais nobre missão que temos todos de fazer. Mesmo que não queiramos ser profissionais da política, eu também fui sempre voluntária da política, mas todos fazemos política, quer queiramos, quer não, temos que ter essa consciência e fazer dela a arte nobre do exercício da cidadania”, explica.

A conversa com Deolinda Machado pode ser acompanhada no programa Ecclesia, emitido esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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