Homilia na Missa Crismal do cardeal-patriarca de Lisboa

 

Homilia na Missa Crismal

– Muito mais vos recompensará o próprio Deus!

Caríssimos irmãos e irmãs e muito especialmente vós, estimados irmãos sacerdotes

Vivemos este tempo com duas referências maiores que, quer pela delicadeza do assunto quer pela dimensão da tarefa, se tornam marcantes para todos nós.

A primeira refere-se ao que temos feito e devemos fazer para superar a crise dos abusos de menores e pessoas vulneráveis, apoiando as vítimas e prevenindo o futuro. Às vítimas, dirijo de novo o pedido de perdão institucional e convicto, bem como a disposição de apoiar quem necessite – no “site do Patriarcado” está o endereço da nossa Comissão Diocesana de Proteção de Menores, sempre disponível e ativo.

Desde que em 2019 criámos a Comissão Diocesana, temos trabalhado nesse sentido e presentemente ainda mais, com o seguimento de casos que nos tocam de perto. Com tudo isto e o mais que se faça, compartilho a disposição firme de fazer das nossas comunidades lugares saudáveis e seguros, servidos por agentes pastorais, ordenados ou leigos, à altura duma missão que o tempo torna particularmente sensível e exigente. Todos estamos comprometidos nisto e certamente não falharemos.

A segunda referência, de sinal bem diverso, é à Jornada Mundial da Juventude, que nos trará dentro em breve uma multidão juvenil dos cinco continentes, como nunca tivemos ocasião de receber.

Esta dimensão da Jornada, cujo principal protagonista será o próprio Papa, requereu a anuência e a colaboração substancial das entidades civis, que desde o primeiro momento a consideraram de grande interesse nacional e local. Exigiu também uma mobilização absolutamente inédita dos jovens que integram os diversos comités paroquiais, vicariais, diocesanos e local (central), criando uma grande rede de planeamento e ação que poderá constituir a base duma pastoral juvenil renovada nas nossas dioceses.

Como tenho dito em várias ocasiões, não podemos desaproveitar esta oportunidade para o rejuvenescimento da Igreja em Portugal, contando agora e depois com tantos milhares de jovens e com a experiência criativa e responsabilizada que assim ganharam. Neste sentido, o maior impacto da Jornada, além dos dias em que decorre, será o seu depois.

Caríssimos padres: Dentro de momentos renovareis as promessas sacerdotais. Respondereis, tanto por voz como por sentimento profundo, a esta pergunta: – Quereis viver mais intimamente unidos a Cristo e configurar-vos com Ele, renunciando a vós mesmos e permanecendo fiéis aos compromissos que, por amor de Cristo e da sua Igreja, aceitastes alegremente no dia da vossa ordenação sacerdotal?

Deixai-me soletrar um pouco esta pergunta, tão essencial e decisiva como é. A primeira frase diz respeito à intimidade crescente da nossa união a Cristo e à configuração com Ele. É caminho a percorrer sempre e cada vez mais.

Obviamente a resposta é “sim”, mas existencialmente sabemos que é exigente e desafiante. Lembramos como os primeiros de nós, naquele grupo dos doze escolhidos pelo próprio Cristo, tanto o confessaram prontamente ao princípio como depois tiveram de se converter ao que Ele realmente era e lhes pedia. No Getsémani fugiram todos, um traiu-o e outro negou-o. Teve de os recuperar, uma vez ressuscitado.

Também ressuscitado nos chamou a nós, pedindo-nos união verdadeira e configuração mais nítida com Cristo Sacerdote e Pastor. Só assim nos realizaremos no serviço à sua Igreja. Neste sentido, a oração, a meditação da Palavra e a vivência profunda dos sacramentos que celebramos e recebemos são a primeira condição do apostolado.

A pergunta continua, lembrando a renúncia a nós mesmos e a fidelidade aos compromissos que, por amor de Cristo e da sua Igreja, aceitamos alegremente no dia da nossa ordenação sacerdotal.

Renúncia a nós mesmos e fidelidade aos compromissos que assumimos são certamente atos de vontade, mas indicam sobretudo o essencial da condição cristã que tem em Cristo a primeira realização.

Como Filho de Deus, teve por alimento a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34); e agrega-nos nesta filiação exatamente pela mesma atitude, raiz de todos os compromissos sacerdotais. São todos para servir um Povo que é de Deus e não nosso, o que só faremos se a vontade de Deus, unicamente ela, ocupar inteiramente o nosso coração e a nossa vida. Teremos de dizer sempre e convictamente “Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu”!

A pergunta conclui, lembrando a alegria que seguramente sentimos no dia da nossa ordenação sacerdotal. É bom retê-la e revivê-la, sobretudo quando algum cansaço do corpo ou da alma, ou alguma dificuldade maior nos fizesse esquecer dela.

Os dias da ordenação e da subsequente Missa Nova, foram geralmente preenchidos pela alegria dos outros que nos viram padres e pela nossa, que desejámos sê-lo. Mas também aqui e para além desse momento, “a alegria do Senhor é a nossa fortaleza”. E é com esta que devemos contar – e só com ela contar, para que a nossa perdure, com um contentamento que tem em Deus a sua fonte e garantia. Lembremos o que Jesus disse aos discípulos, sobre o verdadeiro lugar da alegria: «Não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc 10, 20).

Caríssimos padres: Uma última coisa vos quero dizer, porque também última será certamente a Missa Crismal em que vos falo na presente condição:

E a palavra que vos deixo é de gratidão a vós e de ação de graças a Deus, pelo presbitério que integrei como padre, bispo auxiliar e desde 2013 como patriarca. Gratidão preenchida por tantos nomes bem concretos de sacerdotes do clero secular e regular que aqui serviram ou servem o Povo de Deus – lembrando especialmente os que neste ano celebram vinte e cinco, cinquenta ou sessenta anos de ordenação e sem esquecer todos os outros, vivos na terra ou já no Céu.

Tantos nomes, tantas palavras, tantos gestos de caridade pastoral de que eu próprio beneficiei e beneficio. E muitos mais que diariamente repartis com as comunidades, instituições e pessoas que servis com grande dedicação e uma entrega que só Deus inteiramente conhece e recompensará a cem por um.

É certo que as falhas, reais ou supostas, de algum são mais mediatizadas do que a caridade pastoral do magnífico conjunto que integrais. Dois milénios que já levamos, vistos mais de perto, mostram que também aqui “nada há de novo debaixo do sol” (Ecl 1, 9). Ainda que não esqueçamos a seguinte advertência do Catecismo da Igreja Católica (nº 827): «Todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos. A Igreja reúne pois em si, pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação.»

Nada nos demite da obrigação de correspondermos cada vez mais e melhor à graça que nos salva e envia. Mas que a tristeza não encubra o bem que fazeis e a realidade que tão positivamente sois, confirmada por tantos que beneficiam da vossa ação. Podeis tomar para vós o que o profeta Isaías nos disse há pouco: «Vós sereis chamados “Sacerdotes do Senhor” e tereis o nome de “Ministros do nosso Deus”. – Eu lhes darei fielmente a recompensa e firmarei com eles uma aliança eterna».

Agradeço-vos muito e sempre. – Muito mais vos recompensará o próprio Deus!

Sé de Lisboa, 6 de abril de 2023

+ Manuel, Cardeal-Patriarca

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