Homilia do Papa Francisco no Domingo de Ramos

Foto: Lusa/EPA

Todos os anos, esta liturgia cria em nós uma atitude de espanto, de surpresa: passamos da alegria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à tristeza de O ver condenado à morte e crucificado. É uma atitude interior que nos acompanhará ao longo da Semana Santa. Abramo-nos, pois, a esta surpresa.

Jesus começa logo por nos surpreender. O seu povo acolhe-O solenemente, mas Ele entra em Jerusalém num jumentinho. Pela Páscoa, o seu povo espera o poderoso libertador, mas Jesus vem cumprir a Páscoa com o seu sacrifício. O seu povo espera celebrar a vitória sobre os romanos com a espada, mas Jesus vem celebrar a vitória de Deus com a cruz. Que aconteceu com aquele povo que, em poucos dias, passou dos «hossanas» a Jesus ao grito «crucifica-O»? O que aconteceu? Aquelas pessoas seguiam mais uma imagem de Messias do que o Messias. Seguiam a imagem, não o Messias. Admiravam Jesus, mas não estavam prontas para se deixar surpreender por Ele. A surpresa é diferente da admiração. A admiração pode ser mundana, porque procura os próprios gostos e anseios; a surpresa, pelo contrário, permanece aberta ao outro, à sua novidade. Também hoje há muitos que admiram Jesus: falou bem, amou e perdoou, o seu exemplo mudou a história… Admiram-no, mas a vida deles não muda. Porque não basta admirar Jesus; é preciso segui-Lo no seu caminho, deixar-se interpelar por Ele: passar da admiração à surpresa.

E qual é o aspeto do Senhor e da sua Páscoa que mais nos surpreende? O facto de Ele chegar à glória pelo caminho da humilhação. Triunfa acolhendo a dor e a morte, que nós, súcubos à admiração e ao sucesso, evitaríamos. Ao contrário, Jesus «despojou-Se – disse São Paulo –, humilhou-Se» (Flp 2, 7.8). Isto surpreende: ver o Omnipotente reduzido a nada; vê-Lo, a Ele Palavra que sabe tudo, ensinar-nos em silêncio na cátedra da cruz; ver o Rei dos reis que, por trono, tem um patíbulo; ver o Deus do universo despojado de tudo; vê-Lo coroado de espinhos em vez de glória; vê-Lo, a Ele bondade em pessoa, ser insultado e vexado. Porquê toda esta humilhação? Por que permitistes, Senhor, que Vos fizessem tudo aquilo? Esta pergunta espanta-nos.

Fê-lo por nós, para tocar até ao fundo a nossa realidade humana, para atravessar toda a nossa existência, todo o nosso mal; para Se aproximar de nós e não nos deixar sozinhos no sofrimento e na morte; para nos recuperar, para nos salvar. Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento. Experimenta os nossos piores estados de ânimo: o falhanço, a rejeição geral, a traição do amigo e até o abandono de Deus. Experimenta na sua carne as nossas contradições mais dilacerantes e, assim, as redime e transforma. O seu amor aproxima-se das nossas fragilidades, chega até onde mais nos envergonhamos. Agora sabemos que não estamos sozinhos! Deus está connosco em cada ferida, em cada susto: nenhum mal, nenhum pecado tem a última palavra. Deus vence, mas a palma da vitória passa pelo madeiro da cruz. Por isso, os ramos e a cruz estão juntos.

Peçamos a graça do assombro. A vida cristã, sem surpresa, torna-se cinzenta. Como se pode testemunhar a alegria de ter encontrado Jesus, se não nos deixamos surpreender cada dia pelo seu amor espantoso, que nos perdoa e faz recomeçar? Se a fé perde o assombro, torna-se surda: já não sente a maravilha da graça, deixa de sentir o gosto do Pão da vida e da Palavra, fica sem perceber a beleza dos irmãos e o dom da criação. Não tem outro caminho a não ser refugiar-se nos legalismos, clericalismos, tudo aquilo que Jesus condena no capítulo 23 do Evangelho de São Mateus.

Nesta Semana Santa, ergamos o olhar para a cruz a fim de recebermos a graça do assombro. São Francisco de Assis, ao contemplar o Crucificado, espantava-se com os seus frades por não chorarem. E nós, conseguimos ainda deixar-nos comover pelo amor de Deus? Por que é que já não sabemos surpreender-nos à vista dele? Porquê? Talvez porque a nossa fé foi corroída pelo hábito; talvez porque ficamos fechados nas lamúrias e deixamo-nos paralisar pelos dissabores; talvez porque perdemos a confiança em tudo, chegando ao ponto de nos consideramos mal feitos. Mas, por trás destes «talvez», tantos «talvez» encontra-se o facto de não estarmos abertos ao dom do Espírito, que é Aquele que nos dá a graça do assombro.

Recomecemos do espanto; olhemos o Crucificado e digamos-Lhe: «Senhor, quanto me amais! Como sou precioso a vossos olhos!» Deixemo-nos surpreender por Jesus para voltar a viver, porque a grandeza da vida não está no ter nem no afirmar-se, mas na descoberta de que somos amados. Esta é a grandeza da vida. Descobrir que somos amados. E a grandeza da vida está precisamente na beleza do amor.

No Crucificado, vemos Deus humilhado, o Omnipotente reduzido a um descartado. E, com a graça do assombro, compreendemos que, acolhendo quem é descartado, aproximando-nos de quem é humilhado pela vida, amamos Jesus, porque Ele está nos últimos, nos rejeitados, nos que a nossa cultura farisaica condena.

O Evangelho de hoje, imediatamente depois da morte de Jesus, mostra-nos o ícone mais belo da surpresa. É a cena do centurião, que, «ao vê-Lo expirar daquela maneira, disse: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”» (Mc 15, 39). E de que maneira vira Jesus morrer? Viu-O morrer amando. Sofria, estava exausto, mas continuava a amar. Eis aqui a surpresa diante de Deus, que sabe encher de amor o próprio morrer. Neste amor gratuito e inaudito, o centurião, um pagão, encontra Deus. Verdadeiramente era Filho de Deus! A sua frase chancela a Paixão. Muitos antes dele, no Evangelho, admirando Jesus pelos seus milagres e prodígios, reconheceram-No como Filho de Deus, mas o próprio Cristo mandava-os calar, porque havia o risco de se deterem na admiração mundana, na ideia dum Deus que Se devia adorar e temer, enquanto poderoso e terrível. Agora já não há tal risco; ao pé da cruz, já não é possível errar: Deus revelou-Se e reina só com a força desarmada e desarmante do amor.

Irmãos e irmãs: hoje, Deus ainda surpreende a nossa mente e o nosso coração. Deixemos que nos impregne este assombro, olhemos para o Crucificado e digamos também nós: «Tu és verdadeiramente Filho de Deus. Tu és o meu Deus».

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