Homilia do Bispo do Porto no Domingo de Páscoa

A intuição do amor

Nesta passagem do Evangelho com que se nos anuncia a Páscoa, aparecem três personagens: Maria Madalena, ainda preocupada com as honras devidas ao corpo morto de Jesus; João, o jovem atleta a quem o coração empresta um suplemento de força para correr apressadamente e, assim, ver o que tinha acontecido ao seu grande Amigo; e Pedro, estupefacto com o requinte da arrumação dos panos com que haviam sepultado o Senhor. Curiosamente, a julgar por este relato, o primeiro a dar o salto das realidades visíveis para aquilo que é inapreensível ao olhar, foi S. João. É só dele que se escreve: “Viu e acreditou” (Jo 20, 9). Sabemos bem que, gradualmente, quer Maria, quer Pedro, haveriam de dar o mesmo «salto na fé». Mas o primeiro a compreender e a acreditar foi S. João.

Aquele que habitualmente conhecemos como o “Discípulo amado”, correu sérios riscos durante o percurso doloroso da Paixão do seu Mestre. Mas nunca O abandou. O amor verdadeiro, de facto, não deixa que as pessoas se desapeguem. E, fundamentalmente, só o coração faz ver o que os olhos do corpo não atingem. Se estivesse em causa a mensagem e o pensamento de um filósofo, a memória recordaria os seus conteúdos e a inteligência ajuizaria da sua oportunidade. Mas aqui, na manhã da Páscoa, o que está em jogo não é uma doutrina, mas uma Pessoa. Por isso, sem desprezar nenhuma das outras faculdades, é o coração que faz transitar das coisas visíveis para as invisíveis. Tal como, poucos dias mais tarde, voltará a acontecer ao mesmo S. João, no contexto da pesca milagrosa, quando volta a ser o primeiro a reconhecer o Amigo e exclamar: “É o Senhor” (Jo 21, 7).

O amor a Jesus é, de facto, como aqueles raios de sol e elevação da temperatura que, nos inícios da primavera, fazem com que, de uma árvore que parece seca, brotem rebentos novos, plenos de vida. Sem esse amor, não conseguimos entrar nesse mistério da ressurreição, pois não é assunto para ser digerido pela mera inteligência racional. Assim o mostra S. Pedro, na primeira leitura. Em casa do Centurião Cornélio, porventura já simpatizante do dado cristão e a quem teriam chegado rumores da ressurreição, Pedro confirma essa certeza com a experiência afetiva: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele” (At 10, 41-42).

Iniciamos a quaresma escutando o brado, enquanto se impunham as cinzas: “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho”. Hoje, poderíamos sintetizar a mensagem desta Páscoa no mesmo pregão. O centro do Evangelho é a ressurreição de Cristo. Acreditai nela! Mas para acreditar, é preciso amar o mesmo Cristo: para crer, antes, é preciso querer. Disponde os vossos corações ao amor, pois só aí pode germinar a fé. E onde nos conduz esta fé? Fundamentalmente, a três núcleos, que muito nos interessam.

  1. A Páscoa é o triunfo da vida. Os inimigos de Cristo mandaram-n’O matar e quiseram-n’O morto para sempre. Pensaram que, com o peso de uma pedra e umas sentinelas no túmulo, isso se resolvia. Enganaram-se redondamente. Ontem como hoje, ninguém pode calar a força da ressurreição. Mesmo que se assassinem barbaramente os cristãos, como acontece um pouco por toda a terra, ou que, no dito «primeiro mundo», a inteligência «bem-pensante» teime em ridicularizar o dado da fé, numa chacota arrogante. Sim, as forças da morte nada podem perante a ressurreição.
  2. Páscoa é a tomada de consciência de uma presença. Presença misteriosa e muda, sem dúvida. Mas real, pois, como garante S. Paulo, na segunda leitura, “a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3, 3). Deus está em nós e nós estamos em Deus. Não é apenas uma presença que caminha ao nosso lado, mas fora de nós. Não: interliga-se com o nosso próprio ser. Para a pessoa religiosa, é o máximo a que se pode aspirar.
  3. Páscoa é o penhor da esperança. É a afirmação solene que nada nem ninguém pode destruir a vida que nos é garantida pelo Eterno. Os cansaços, os sofrimentos, a dor e o medo da morte biológica não passam de episódios fugazes, sombras passageiras que serão desfeitas na plena luz de Cristo. O mundo não caminha à deriva, já que, pela claridade da ressurreição, a sua meta é o “reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”.

Caros fiéis em Cristo que habitualmente viveis as dores de uma existência fechada, agora tornadas mais agudas por esta pandemia que atingiu o nosso mundo, coragem! O ressuscitado está convosco como garante de uma esperança que não engana, certeza de perene consolação e penhor de vida. Animai-vos n’Ele. E vós cireneus da atualidade, pessoal de saúde, forças de socorro e segurança, trabalhadores e responsáveis das instituições de assistência, autarcas e outros dirigentes sociais, vós que ajudais a levar a cruz de tantos, tende a certeza de que também participais da alegria emocionante desta Páscoa florida.

Santa Páscoa!

D. Manuel Linda

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