Homilia do bispo do Funchal no Domingo da Ressurreição – Páscoa 2021

“Sabeis o que aconteceu” (At 10,36)

Escutávamos na Primeira Leitura o que sucedeu quando S. Pedro entrou na casa de Cornélio, um centurião romano, e anunciou a Boa Nova da ressurreição de Jesus a quantos faziam parte daquela família: o Apóstolo não enuncia uma doutrina, mas recorda “o que aconteceu”. Pedro não faz um discurso filosófico ou doutrinal ou (muito menos) partilha um sentimento feliz ou uma opinião discutível. Pedro refere-se a acontecimentos — melhor: ao acontecimento que é Jesus, em toda a sua vida, em toda a sua pessoa.

Dizia ele: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou”. O acontecimento é Jesus que, cheio do Espírito Santo, faz o bem e cura. E a conclusão apenas pode ser: “porque Deus estava com Ele”. Trata-se de acontecimentos que estiveram à vista de todos. O próprio Pedro se oferece a si mesmo como garantia: “Nós somos testemunhas”.

Em contraste com o bem que Jesus realizou à vista de todos, está um outro conjunto de acontecimentos que mostram a rejeição de Deus pelos homens: “mataram-no, suspendendo-O no madeiro”. E, como resposta à rejeição de Israel, está uma nova ação divina — Deus que nunca desiste: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia”. A este agir de Deus na história segue-se ainda a manifestação de Jesus ressuscitado, não a todo o povo mas a quantos tinham comido e bebido com Ele: aqueles que, desse modo, tinham autoridade para atestar a verdade da ressurreição.

Por fim, a estes acontecimentos referidos pelo Apóstolo sucede-se um outro: aquele que está a ter lugar diante dos olhos de todos os presentes, mas que não é desligado dos anteriores. Bem pelo contrário, é a sua consequência natural: “Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar”.

Aquilo que é anunciado e transmitido consiste, pois, numa sucessão de acontecimentos em que Deus atua, desvela a Sua presença e se manifesta, para que todos O possam acolher livremente.

 

Também o acontecimento que hoje, aqui, estamos a viver nesta celebração, se integra na sucessão daqueles acontecimentos, ligando-nos àquele primeiro Domingo de Páscoa.

A ressurreição do Senhor Jesus — erupção de Deus na história humana; verdadeiro abraço divino ao nosso universo, vindo da profundidade celestial da realidade divina — é, pois, um acontecimento. Quer dizer: manifesta-se na história. Em tempos e lugares concretos. Não é uma teoria. Não é uma opinião. Está ali, presente, à espera de que o acolhamos e dele retiremos todo o significado para a nossa vida e para a vida do mundo.

É um acontecimento que não se esvai com o correr do tempo, mas antes permanece: que, pela sua força, pelo seu fulgor, ilumina, transfigura e atua em todos os tempos. Também nos nossos. É por isso que, também nós, podemos professar com verdadeira fé a ressurreição do Senhor.

Com efeito, o acontecimento do anúncio do Evangelho que, de um modo ou de outro, todos recebemos — na família, na catequese, na escola, no seio de um grupo de amigos ou da comunidade cristã — o anúncio do Evangelho liga-nos, em linha reta, àquele primeiro anúncio de Pedro em que o Apóstolo testemunhava a verdade da ressurreição.

 

A ressurreição é mesmo “o” acontecimento. Quer dizer: não é algo que seja tão comum, corriqueiro, que deixe de merecer atenção. Pelo contrário: a ressurreição de Jesus é o acontecimento por antonomásia. É aquele agir de Deus na história humana que transforma, converte, revoluciona e une, e que, por isso, constitui o marco que divide a história num antes e num depois.

Antes da ressurreição, a morte reinava, julgando dominar os homens pelo medo; não nos era permitido vislumbrar outro horizonte de vida, a não ser o aqui e agora — ou, no máximo, o horizonte de uma vida de poucas dezenas de anos. O próprio Deus se encontrava distante: víamos as suas obras, escutávamos a sua voz, mas não conhecíamos o seu rosto e (muito menos) tínhamos acesso à sua intimidade.

Agora que Jesus venceu a morte, agora que um entre nós destruiu o poder do inimigo que tinha prisioneiro o ser humano, que medo poderá existir que não seja, também ele, destruído pelo Espírito do Ressuscitado? Agora que Jesus venceu a morte, como não dirigir o nosso olhar para o horizonte infinito e feliz da vida eterna? Agora que Jesus venceu a morte, como desviar o nosso coração do Pai, que sempre nos acolhe, perdoa e faz a festa da vida?

A ressurreição do Senhor é o acontecimento que vale a pena ser vivido em cada dia; o acontecimento que nos transforma interior e exteriormente — a nós e à história. É o acontecimento que faz surgir, no meio do tempo, a constante novidade de Deus.

Nada mais a Igreja tem para fazer e para mostrar a não ser o anúncio pascal. Em cada dia — hoje ! — a Eucaristia faz-nos presentes àquela manhã primeira do mundo novo, quando as mulheres e os discípulos foram ao sepulcro e o encontraram vazio. E também nós somos convidados (como o discípulo amado) a ver, ouvir e a acreditar: Cristo ressuscitou verdadeiramente! De verdade, ressuscitou!

Irmãos, deixemos que em nós ressoe esta Boa Nova — única capaz de transformar os corações e de tornar novo o que em nós e à nossa volta ainda é mundo do pecado e da morte. Deixemos que o Espírito do Ressuscitado nos torne membros de Cristo, novo Adão, humanidade nova!

 

Entering Cornelius’ house, the Apostle St. Peter does not proclaim a doctrine, but gives the news of a set of events: how Jesus did good, how He was rejected, and how God raised Him up.

God acts in history and, today as at that time, He invites us to welcome Him. Let this Good News resound in us. This Good News is the only one capable of transforming hearts, and making new what in us (and around us) is still the world of sin and death. Let us allow the Spirit of the Risen One to make us members of Christ, new Adam, new humanity! Good Easter for all!

Catedral do Funchal, 04 de abril de 2021

D. Nuno Brás

Bispo do Funchal

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