Homilia do bispo do Funchal na Missa da Ceia do Senhor

Que hei-de fazer de Jesus? Deixa que te ensine o Amor!

No Domingo de Ramos, meditávamos na interrogação de Pilatos diante do Povo que pedia a libertação de Barrabás: “Que hei-se fazer de Jesus, chamado o Cristo?”. A presente celebração convida-nos a dar uma primeira resposta: “Deixa que Jesus te ensine a amar até ao fim”.

Com efeito, é desse modo que S. João inicia o relato da Última Ceia, como acabámos de escutar: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”.

Não basta a Jesus tecer algumas amizades — muito menos encontrar algumas dependências cegas que possam ser usadas para criar um movimento de seguidores. Essa não é, definitivamente, a sua missão, nem esse é o seu objectivo: esse é antes o propósito de quantos procuram um momento de poder ilusório, sensações superficiais de domínio. Mesmo que, mentirosamente, lhe chamem “amor”.

O amor, ao contrário, traz sempre consigo a verdade e a liberdade de quantos nele se encontram envolvidos. Diz respeito a todas as dimensões do ser humano; consiste em encontrar a felicidade no bem do outro — consiste, por isso, num “querer bem ao outro”, qualquer que seja a sua dimensão ou profundidade. Em suma: o amor é Deus em nós (mesmo que não nos demos conta), a modificar constantemente o nosso ser, a torná-lo mais próximo de Si. Deus é amor, e o seu objectivo é ensinar-nos a amar.

De facto, o amor é próprio de Deus: “Deus é amor; e aquele que permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele”, afirma S. João na sua primeira Carta. É a este amor, próprio de Deus, que — para o distinguir das reduções que o ser humano sempre faz quando vive algo de divino, porque incapaz de chegar ao sublime de Deus — é a este amor que chamamos “caridade”.

A caridade é o amor de Deus: amor que é a razão de todos os seus actos criadores, em particular da criação do ser humano “à sua imagem e semelhança”; caridade que é a razão de Deus não desistir de ninguém; caridade que, ao mesmo tempo, o faz respeitar infinitamente a liberdade de todos e cada um. Caridade que é a razão da encarnação do Verbo; que é a razão de tudo quanto Jesus diz e faz — que é a razão do seu existir.

“Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”: amou-os até ao final da sua existência, e amou-os o mais intensamente que alguém pode amar.

Habitualmente fazemos uma espécie de caminho ascendente: julgamos saber o que seja o amor; sabemos que somos amados pelos nossos pais e sabemos que somos amigos da nossa família e daqueles que, por qualquer razão, nos são próximos. Não raras vezes confundimos a paixão com o amor. Daqueles que sofrem, compadecemo-nos. Pensamos que o amor de Deus seja semelhante a isso que chamamos amor, só que vivido de um modo mais perfeito. Parece ser algo de admirável mas distante, impessoal.

Os gestos de Jesus na última Ceia convidam ao movimento contrário. Deixemos que Jesus nos ensine o que é o amor, e o amor até ao fim — ou melhor, a caridade, amor de Deus em nós.

Tal como o vemos (e como esta celebração nos procura mostrar) o amor de Deus em nós, a caridade, é, em primeiro lugar, viver em constante atitude de serviço: tomar o lugar do servo, estar disposto não apenas a realizar aquele gesto de maior humildade que é o de lavar os pés aos que chegam para a refeição, mas a assumir essa atitude sempre, em qualquer momento. Só aquele que serve é capaz de amar.

Caridade, amor de Deus em nós é, como nos mostra também Jesus, a própria Eucaristia. A caridade, o seu amor por nós (por cada um de nós que aqui estamos, e por todos) é um querer permanecer connosco para sempre, tornando-se alimento que conduz à vida eterna — quer dizer: à união com o Pai. Somos “os seus”, aqueles por quem Ele se entrega e por quem e a quem dá a vida, a sua vida divina. Amar é a entrega desarmada de quem oferece a sua vida a outro e se dispõe a fazer caminho com ele, em qualquer momento, seja ele de felicidade ou de tristeza.

Caridade, amor de Deus em nós, é a entrega da vida que Jesus faz na cruz. É fazer nossa a morte daquele que amamos para lhe dar a vida. Amor até ao fim. Fidelidade, desprendimento total de si; cruz, cálice sem o qual a ceia da Páscoa ficaria incompleta.

De Jesus e destas suas atitudes finais de Quinta-feira Santa, aprendamos também nós a amar. Elas convidam-nos a rever aquilo a que chamamos amor, talvez de um modo errado. Convidam-nos a colocarmo-nos na escola de Jesus e a aprender dele o que significa amar até ao fim. Convidam-nos a sermos discípulos — ou melhor, cristãos, quer dizer: outros Cristos. Não por palavras mas em atitudes concretas, surpreendentes e abundantes (porque o amor, ou melhor, a caridade é assim: surpreendente e abundante) em que nos é dada a graça de fazermos espelho ao amor de Deus e, desse modo, transformar o mundo.

Como dizia S. Leão Magno: “Se Deus é amor, a caridade não deve ter fronteiras, porque a grandeza de Deus não tem limites. É certo, irmãos caríssimos, que todos os tempos são bons para o exercício da caridade. Mas estes dias [da Quaresma] a isso nos exortam de modo especial. Quem deseja celebrar a Páscoa do Senhor em santidade de alma e coração, esforça-se o mais possível por adquirir essa virtude que em si contém todas as outras e cobre a multidão dos pecados” (Sermo 10 In Quadragesima, 3-5).

“Que hei-de fazer com Jesus, chamado o Cristo?”, perguntava Pilatos e perguntávamo-nos também nós. Deixemos que Ele nos ensine a amar. A amar sem fronteiras, porque a grandeza de Deus não tem limites.

Catedral do Funchal, 5 de abril de 2023
D. Nuno Brás, bispo do Funchal

Partilhar:
Scroll to Top