Homilia do Bispo de Santarém na Sexta Feira da Paixão do Senhor

“Tudo está consumado” (Jo 19,30)

O que está consumado quando Jesus expirou? Está consumada a revelação que Ele fez do amor do Pai, o amor extremo pela humanidade: “Deus amou tanto o mundo que lhe enviou o seu Filho Unigénito” (Jo 3,16). Está consumado o caminho que leva à glória de Deus. Está consumado o tempo necessário até chegar a “Hora”: a hora de Jesus passar deste mundo para o Pai, a hora de dar início a um novo tempo, o tempo do Espírito, tempo da Igreja. É hora da grande mudança das núpcias de que é referência as Bodas em Caná da Galileia (cf Jo 2,1-12).

Está consumada a revelação de que Jesus era o Verbo de Deus, pelo qual o mundo foi criado, de que Ele era a Luz que veio para os que eram seus e os seus não o receberam, mas a todos os que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf Jo 1,1-18).

Está consumada a universalidade da salvação aos estrangeiros e aos menos considerados na sociedade e a possibilidade de todos poderem adorar a Deus, como Jesus revelou à samaritana: “Vai chegar a hora em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar em espírito e verdade, pois são esses que o Pai pretende” (Jo 4, 23). Universalidade também quando curou o filho doente do funcionário real de Cafarnaum: “Vai, que o teu filho está salvo” (Jo 4, 50).

Está consumado o Amor de Deus quando apresentaram a Jesus a mulher pecadora sujeita a condenação e Jesus não a condenou e perdoou-lhe os seus pecados (cf. Jo 8).

Está consumado que Jesus é o Bom Pastor a quem as suas ovelhas reconhecem porque sabem que Ele dá a vida por elas (cf Jo 10,1-15).

Está consumada a proximidade que Deus quer, numa saudável e segura amizade como Jesus cultivou com os irmãos Marta, Maria e Lázaro (cf Jo 11,1-44). E para que os bons frutos aconteçam, Jesus pede mesmo uma permanência: “Eu sou a videira e vós sois os ramos (…). Permanecei em mim e Eu permanecerei em vós” (Jo 15,1.4).

Na Paixão de Jesus, está o amor e preocupação pelos seus discípulos do presente e do futuro, e exprime-o numa oração de íntima: “Pai, chegou a hora” (Jo 17,1). “Não rogo só por eles (os discípulos), mas também por todos aqueles que hão-de crer em mim por meio da sua palavra” (Jo 17,1). Jesus também rezou por nós!

Terminada a oração e a ceia, Jesus com os onze discípulos, sai da cidade e vai para o Jardim das Oliveiras. No jardim do paraíso, Adão foi infiel à vontade de Deus. Agora, o novo Adão, Jesus Cristo, consciente e em grande provação, entrega-se para dar início a um novo tempo de fidelidade humana, uma nova criação.

O evangelista e apóstolo João descreve como em Jesus, a humildade e a coragem coexistem. Quando o destacamento romano se aproximou com Judas para prender Jesus, Ele não fugiu nem se escondeu, avançou e perguntou: “Quem bucais? Responderam: Jesus Nazareno. Disse-lhes ele: Sou eu! (…) E eles recuaram e caíram por terra” (Jo 18,4). Isto é; a Paixão e morte na Cruz, como a hora de Jesus, haviam de revelar não apenas um Cristo ‘farrapo humano’, mas a glória do Filho de Deus que carrega conscientemente os pecados da humanidade e responde a Pilatos assumindo que é Rei.

Já crucificado, como um momento de grande solenidade, Jesus consagrou a sua Mãe como nossa Mãe: “Eis o teu filho” (Jo 19,26), diz-lhe, indicando discípulo amado. “Tudo está consumado”.

A partir de agora, para os seus discípulos, a referência é a fidelidade do Mestre, a sua Palavra a guardar, a permanência no seu Amor: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13,34), o respeito pela vontade do Pai, o acolhimento do Espírito que haviam de receber e a missão apostólica que haviam de assumir.

“Quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12,32). A cruz havia de tornar-se como a nova árvore do paraíso, referência da vida e glorificação de Jesus, com frutos de graça e de perdão, símbolo da paixão e do Amor com que Deus salva o mundo.

Como escreveu o autor da Carta aos Hebreus: “Jesus, o Filho de Deus, tendo atingido a sua plenitude, tornou-se para todos os que lhe obedecem causa de salvação eterna” (Heb 5,9).

Em tempos difíceis com a guerra e perturbações sociais, que a Páscoa que estamos a celebrar seja um humilde mas grande sinal de que a Paz é possível. Deus não desistiu do mundo nem das pessoas por quem Jesus deu a sua vida.

Sé de Santarém, 15-04-2022

D. José Traquina, bispo de Santarém

 

 

 

 

 

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