Homilia do bispo de Angra na Vigília Pascal

08.04.2023 – Sé de Angra – Vigília Pascal 

Grande noite esta! As trevas iluminaram-se e Cristo venceu a própria escuridão da morte.  O Sol da justiça, desaparecido há três dias, ergue-se hoje e ilumina toda a criação: 

Cristo, que esteve no túmulo três dias, existia antes de todos os séculos! 

Ele rebenta as pedras dos sepulcros e enche de alegria toda a terra habitada. 

Fixemos os nossos olhos no nascer de um sol que nunca conhecerá o poente; 

façamos avançar o dia e enchamo-nos da alegria desta luz! Aleluia! (Epifânio de Salamina) 

É carregado de simbolismo o momento em que o círio aceso mergulha na escuridão desta catedral, como  aconteceu novamente esta noite. A pequena chama que, como se cantava no Precónio, representa Cristo,  luz do mundo, essa luz pequenina, foi suficiente para iluminar, para tornar visíveis os contornos das coisas e  das pessoas. É a luz que faz o seu caminho no meio das trevas e é como se anunciasse, já por si só, a  possibilidade de uma vida iluminada. É uma luz que não se impõe, mas que «derrota o mal, lava a culpa,  restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, dobra a dureza dos poderosos,  promove a concórdia e a paz.” 

Infelizmente, hoje, as trevas parecem dominar um pouco pelo mundo inteiro, quase num retrocesso  assustador e total ao início da história, quando Deus criou o céu e terra, as trevas ainda dominavam e tudo  era confusão e caos como lembrava o Livro do Génesis. Nos nossos dias, de facto, parece que a história da  humanidade foi engolida pelas trevas, afundada na loucura absurda de novas guerras com o risco de armas  que ameaçam a própria humanidade, mas também de outras guerras assentes na riqueza desmesurada e  indecente de poucos e a pobreza intolerável de muitos; da fartura e esbanjamento de bens numa parte do  mundo enquanto outras lutam desesperadamente pela sobrevivência; do mundo injusto em que uns poucos  ricos têm direito a tudo e tantos morrem sem terem tido acesso ao que têm direito. São demasiadas trevas,  é demasiada a escuridão! Ressuscita, Senhor, para este mundo! Parece que o reino das trevas se quer de  novo apoderar das mentes, dos corações, dos pensamentos de uma humanidade ainda guiada pela lógica do  medo, do arrivismo, do domínio sobre o outro, da violência, da retaliação, enfim, pelo mistério do mal e da  iniquidade. A humanidade dominada pelo “homem velho” de que falava hoje S. Paulo precisa de Jesus Cristo. O Evangelho desta noite sugere-nos que é necessário um anúncio tão forte como o foi a Ressurreição de  Cristo, só possível com mulheres e homens novos que não pactuem com o que é velho e com marcas de  morte. Precisam-se homens novos movidos pelo amor e capazes de sair, de ser Igreja em saída. Reparemos: o ato de amor do Pai pelo Filho eterno que foi a Ressurreição é reconhecido na força e através  da amizade – fiel, terna e forte – das mulheres por Jesus e de todos os discípulos entre si, como Ele  mandou. O Anúncio só se realiza onde há amor, gratuidade.  

Para que a mensagem da ressurreição corra no nosso mundo e se torne o Evangelho, é necessária uma  amizade sincera entre as pequenas células de cristãos, onde o Espírito do ressuscitado vive, para se tornarem  células dos ambientes onde estão no mundo frio e dividido. Não terá sido porventura o empobrecimento das  relações entre nós que levou ao arrefecimento da fé em tantas partes do mundo, em tantas famílias cristãs, 

em tantos dos nossos corações e debilitou a força dos evangelizadores de hoje? Se não há amizade entre os  homens, o rosto de Deus desvanece-se e até mesmo o anúncio da ressurreição de Jesus aparece como um  eco distante e, em última análise, irrelevante porque fala de um acontecimento passado. Se não sentis um  amor capaz de compartilhar o evangelho, algo está errado. 

O Evangelho também precisa de pés. O relato das mulheres no sepulcro mostra que o Evangelho não é  comunicado simplesmente pela transmissão de palavras e notícias. As mulheres correram para dizer aos  apóstolos que, não só o Senhor ressuscitou, mas que eles se devem por a mexer para a Galileia, onde Ele já  os espera. Nós não levamos Deus ao mundo. Ele já lá está porque tudo é dele, mas é a atitude crente que  evidencia esta presença, que nos faz andar e ter pressa. 

Ide, é também a palavra que hoje será dita aos catecúmenos e todos os já batizados. Dentro de momentos,  como que em ajuda aos distraídos, os nossos adultos candidatos ao batismo e restantes sacramentos da  Iniciação Cristã, vão acender a sua vela, luz pequenina, que, aqui e no mundo, se sozinhos, corre o risco de  ser “pouca coisa”. Depois, acenderemos todos a nossa vela e renovaremos os compromissos de batizados.  Já nos sentiremos mais quentes, apoiados, em comunidade. Caros catecúmenos, contai com a ajuda desta 

Assembleia Santa que encontrareis em qualquer lugar da terra. Sois batizados para Cristo, numa Igreja Mãe  que precisa de vós e vos envia em missão. Não sois batizados apenas para bem próprio. No batismo somos  expropriados de nós mesmos, feitos santos em Cristo para ser alimento para a santificação do mundo. Sereis  leigos no mundo, pela paixão a Cristo e aos irmãos que podeis ou não servir. A escolha continuará a ser vossa. 

A vela acesa é luz que se pode passar ao irmão, de mão para mão. Há aí uma dinâmica de Igreja que vem de  há 2000 anos e não se pode esconder. A luz que não se apega, apaga-se! Deixemo-la brilhar, sejamos nós  esta Luz na Luz que é Cristo, cristãos, outros Cristo a viver no meio dos homens. Como diz o Papa aos jovens:  “Cristo nossa esperança está vivo e é a mais formosa juventude deste mundo. Deixemo-nos abraçar e tocar  por Ele, pois tudo aquilo que Ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-se de vida. Cristo vive e quer-te  vivo. Isto só o poderemos dizer, com verdade, se os outros puderem ver em nós um Cristo vivo, que está em  nós e permanece connosco, para nos devolver a força e a esperança”. Alegrai-vos todos. Aleluia! Aleluia!

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