Homilia do Arcebispo de Braga na Missa da Ceia do Senhor

Eucaristia, pão partilhado para a esperança do mundo Continuamos a aproveitar esta Semana Santa para nos deixarmos encontrar pela Palavra que deve tomar conta de nós. O gesto do Lava-pés é a síntese da Palavra anunciada e testemunhada; a instituição da Eucaristia o Centro dum mistério que elucida quanto Deus nos ama, manifestando que a Palavra é Vida de entrega e doação. Acolhendo S. Paulo devemos recolher consequências do seu dinamismo pastoral. Ele referia: “Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti” (1 Cor 11, 23). O facto de termos recebido a Eucaristia é uma graça imerecida; o empenho de a transmitir aos outros começa a ser uma questão fundamental para a Igreja. Não somos pessimistas mas teremos de aceitar o desafio de colocar à volta da mesa do Senhor, em vivência de fé e não mero cumprimento dum preceito, todos quantos foram baptizados e um número que cresce de não baptizados. Transmitir aos outros o que recebemos abriga a questionar, sacerdotes e leigos, sobre aquilo que fazem para que a Eucaristia seja alimento duma vida capaz de fomentar a fé em Cristo. A fé eucarística já não é uma “evidência”. Teremos de tornar as eucaristias mais performadoras duma mentalidade identificadora com Cristo que, como Palavra, levaremos a todos os recantos da vida humana. O caminho está traçado. Não reside nas condenações nem nos discursos estatísticos. Está no continuar – Cristo – feito Palavra Viva. “Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se Eu, que sou Mestre e Senhor, Vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também” (Jo 13, 15). A verdade da Eucaristia está em fazer o que Jesus fez através duma pluralidade de atitudes e compromissos que o gesto de lavar os pés simboliza. Só esta vida quotidiana dá credibilidade à Eucaristia e estimula para que muitos queiram participar. Qual a Palavra de Deus que deve encontrar-se connosco nesta Quinta-feira Santa? “Jesus levantou-se da mesa, tirou a manto e tomou uma toalha que pôs à cintura” (Jo 13, 8). – É chegada a hora de nos levantarmos da mesa que sacia as nossas devoções particulares e partirmos ao encontro da Palavra de Deus na sua integridade para numa liberdade radical e aderirmos a um projecto de vida que nos ultrapassa e transcende. É fácil instalar-se e contentar-se. O Evangélico está no aceitar a novidade da mesa da Palavra que deve permear a vida toda sem recantos onde não chegue. – Tirar o “manto” pode querer dizer-nos que alguma novidade teremos de acolher deixando de lado costumes e tradições. A mudança não pode deixar-nos insensíveis e não permite que nos habituemos a cerimónias cobertas por um “manto” que pode mascarar e ocultar o rosto verdadeiro do cristianismo. Não é o estilo de aproveitar os outros, de busca da opulência pessoal ou da Igreja, de reformas exteriores e cosméticas que nos motivam. Tirar o manto é, repito, encontrar-se com a autenticidade dum cristianismo que descobre o seu rosto na Palavra como ela é e com a radicalidade que lhe é peculiar. – Tomar a toalha do serviço aos outros é o caminho a percorrer em nome de Cristo celebrado para que o mundo se encontre com Ele. Nada de humano nos é estranho e a Eucaristia como encontro de intimidade com Cristo é convite para que nos lancemos na aventura do encontro com todas as realidades humanas. Daí que mergulhar, com entusiasmo e dedicação, na problemática hodierna é o caminho traçado pela Eucaristia. Por esta razão, quero recordar outro gesto de Cristo que coloca os discípulos na obrigação de multiplicar os pães em favor daqueles que tinham fome (Mc 6, 34-44). Jesus quer que os discípulos dêem de comer; os discípulos esperam uma resposta miraculosa. Jesus manifesta misericórdia para quem é necessitado; os discípulos analisam o facto mostrando insensibilidade. Jesus acolhe o problema, os discípulos desejam mandar embora pela solução mais fácil. Jesus quer colocar-se na lógica do dar; os discípulos acenam os cálculos do comprar como algo de difícil ou impossível. Jesus condivide e experimenta a fome de quem há muitos dias já não saboreia a alegria duma refeição; os discípulos continuam na lógica do cada um pensa e si e que importa mandar embora para que cuide das suas coisas. Outras referências poderíamos enumerar. Basta para que a Palavra de Deus feita pão na Eucaristia se torne motivadora de vidas mais solidárias e comprometidas com os outros. Impressiona-me a orientação dado no Velho Testamento do cordeiro pascal ser comido em família e de alargar essa família a outros, quando necessário. “Junte-se ao vizinho mais próximo” (Ex 12, 4) para comer o cordeiro. Também hoje a Eucaristia supõe uma redescoberta da humanidade como família para nos sentarmos à mesa com os vizinhos que conhecemos na sua vida de alegria e tristeza. Temos necessidade de levar para a Eucaristia a nossa vida para que a Palavra e o Pão a elucidem e iluminem. Mas precisamos, também, de tornar as Eucaristias momentos de encontro com toda a humanidade, nomeadamente, aquela que sofre ou necessita dos gestos que só o amor consegue individualizar. Não compete à igreja encontrar soluções para todos os problemas que afectam a sociedade. Muito ela já realizou e muito mais terá de realizar. Comungar Cristo na Eucaristia pode não ser difícil. Ir ao Seu encontro e concentrar-se, sozinho ou dum modo associado, na comunhão da vida dos outros é o caminho que a Eucaristia obriga a percorrer. Pode parecer que, em determinados momentos da história, Deus abandone o Seu povo. O olhar solícito dos cristãos, mesmo com gestos que parecem insignificantes, demonstra que Deus caminha connosco e nada nos mete medo. Daí que a Quinta-feira Santa seja um motivo de esperança para acreditar que a Eucaristia pode tornar-se um fermento de fraternidade e solidariedade. Os problemas poderão continuar com a sua gravidade ou talvez ainda maior. Cristo e a Sua Palavra podem tranquilizar-nos e dar tranquilidade. Saibamos colocar a toalha do serviço e comamos o cordeiro Pascal com os vizinhos e poderemos acreditar que uma nova aurora pode raiar. † Jorge Ortiga, A.P.

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