Évora: Homilia de D. Francisco Senra Coelho na Vigília Pascal

1. A morte foi vencida. Hoje, começa uma nova criação. Hoje, recebemos um novo sopro de vida, a ressurreição de Jesus Cristo é sempre dita no presente, é sempre atual, ultrapassa as limitações do espaço e do tempo, é meta-histórica, enche a História Universal de um novo significado, uma experiência pascal que designamos de salvação (eterna).

O mistério cristão de salvação possui, como acreditamos e sabemos, uma ligação umbilical com o acontecimento pascal. Esta constatação, que, entre nós, até pode parecer óbvia, precisa de ser recordada com frequência, geração após geração, para não fazermos do cristianismo somente uma ideia filosófica, mais ou menos ajustada às coisas da terra, mas experimentarmos o Dom da Vida Nova através do encontro íntimo com o Ressuscitado. Porque o mistério pascal é a base e a coroa da nossa salvação, é nele que nos refazemos interiormente, renascendo na nossa liberdade interior, pois o Seu Amor por cada um de nós é sem limites.

Importa que nos deixemos surpreender pelo anúncio pascal. Contemplemo-lo como se fosse a primeira vez.

2. O Evangelho não narra a Ressurreição como um momento cronológico, uma vez que apresenta apenas os sinais do túmulo vazio e da explicação angélica para o que aconteceu, bem como a missão que isso acarreta para a vida dos cristãos que se encontram com esta nova realidade. Lucas pretende levar os seus leitores a fazer precisamente o mesmo caminho das mulheres; a cruz e a sepultura de Jesus conduzem necessariamente ao lugar onde Ele ficou depositado; é verdade que, várias vezes, Jesus tinha falado em ressurreição, mas os discípulos não compreendiam o significado de tais palavras (cf Lc, 18-34). Lucas identifica os mensageiros como «dois homens com vestes resplandecentes» (Lc 24, 4; cf 9, 29). Esta característica leva-nos à transfiguração no Tabor, serve ao evangelista para demonstrar a origem divina da mensagem: só Deus pode dar resposta à perplexidade humana diante da morte. À ressurreição de Jesus chega-se pelo anúncio e não pelo exercício dedutivo da razão humana. Assim acontecerá com Pedro e com os discípulos de Emaús que reconhecerão Jesus pelo anúncio e pelos sinais da sua presença (cf. Lc 24,13-35.36-49).

Jesus Cristo foi ressuscitado pelo poder do Pai e pelo Espírito Santo. O batismo e a eucaristia tornam-nos participantes da Vida Nova da Páscoa. Somos homens e mulheres ressuscitados, vivendo com todos, porém com critérios e valores diferentes face a muitos aspetos da vida, afinal fruto da Vida Nova recebido na fonte batismal e mantido na Eucaristia. Deste modo, podemos dirigir o coração para os Céus: “aspirai às coisas do alto (…) Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra”. Ao aceitarmos esta realidade essencial da nossa fé batismal – que hoje dentro de momentos iremos renovar – tornamo-nos aspirantes às coisas do alto, às realidades espirituais e divinas. A linguagem pode ser equivoca, pois não estamos a separar em modo dualista as coisas da terra e as coisas do alto. Não são mundos opostos ou mutuamente excluídos. A fé é pascal, ou seja, propõe-nos a inteira unificação de todas as dimensões da vida. A nossa meta, desde agora, é a plenitude da vida, a vida eterna, de modo que, desde o Batismo nos é proposto viver como homens e mulheres ressuscitados. Para os Cristãos a morte, todas as mortes e renúncias ou sacrifícios de vida, valem pela força do Amor que venceu a morte. Por isso, vale sempre dar a vida e amar sempre porque a vida e o Amor são as palavras finais da História!

Assim, somos frutos da Páscoa, porque fomos mergulhados nas águas do batismo, porque estamos confirmados pelo dom espiritual mais sublime, e temos acesso a todos os demais Sacramentos, sobretudo porque somos alimentados pela Eucaristia, a presença viva do Ressuscitado. A experiência sacramental é sempre uma realidade pascal. Como diz S. Leão Magno: “O que no nosso Redentor era visível, passou para os seus sacramentos”, permanecendo os seus efeitos invisíveis. É a nossa participação no absolutamente outro da Vida Nova.

Por isso, celebramos o núcleo da nossa fé: Cristo vive; e quer-nos vivos! Nele se fazem novas todas as coisas: a luz, a água, o pão, o vinho, a mesa compartilhada, a alegria renovada e a esperança presente em todos os corações.

A experiência pascal é uma experiência comunitária, nunca uma experiência apenas individual. O anúncio pascal faz de nós Igreja em saída, que mostra o rosto novo de uma mãe com o coração aberto para todos. O “nós” sinodal, proposto pelo Papa, impele-nos a festejar a fé a partir da comunicação do “nós” eclesial. Esta espiritualidade do “nós” remete-nos para a caminhada sinodal em curso na Igreja Católica e para a dinâmica pós-JMJ com os nossos jovens. É com esta alegria que na perene juventude do Cristo Ressuscitado, caminhamos na Páscoa, pois “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura; as coisas antigas passaram tudo foi renovado” (2Cor 5, 17).

Senhora nossa e Mãe do Ressuscitado, permanece connosco em Cenáculo e ensina-nos a confiar, para que certos das promessas do mestre, tenhamos a alegria de viver contigo a manhã de Pentecostes.

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

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