Eutanásia: Processo legislativo é «extemporâneo e muito perverso» face ao contexto português – Catarina Pazes

Presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos diz que responsáveis políticos estão a «inverter prioridades»

Lisboa, 03 jan 2023 (Ecclesia) – A presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) considerou o atual processo legislativo sobre a eutanásia como “extemporâneo e muito perverso”, face ao cenário português de cuidados de saúde e sociais.

“Pensar numa lei que vai oferecer às pessoas a possibilidade de antecipar a morte, por causa de um sofrimento considerado intolerável, quando esse mesmo sofrimento pode ser causado por ausência de cuidados de saúde que o mesmo país não garante, estamos a falar de algo completamente inaceitável”, refere Catarina Pazes, convidada da entrevista semanal conjunta Ecclesua/Renascença, publicada e emitida ao domingo.

A responsável falava dias após uma maioria de juízes do Tribunal Constitucional ter decidido chumbar a última versão da lei da eutanásia, aprovada pela Assembleia da República.

A especialista considera que os deputados estão a “inverter prioridades”, num país que “não trata bem ou que não tem as condições para tratar bem as pessoas vulneráveis”.

“Seria importante ouvir esses profissionais de Cuidados Paliativos e perceber porque dizem que este não é o momento e que esta lei é completamente extemporânea”, recomenda.

Catarina Pazes aponta a um “problema gravíssimo” de falta de acesso aos Cuidados Paliativos, em Portugal – necessários para cerca de 100 mil pessoas, 8 mil das quais crianças, todos os anos.

“Apenas cerca de 10% destas crianças têm acesso a Cuidados Paliativos; a nível dos adultos, cerca de 30% destas pessoas têm acesso”, lamenta a entrevistada.

Temos problemas graves ao nível da saúde, temos problemas graves a nível social, temos problemas graves a nível de condições para que as pessoas possam viver de uma forma positiva a sua situação de doença ou a situação de dependência”.

A presidente da APCP reflete ainda sobre a dimensão da “vontade e da autonomia do doente”, realçando que esta “tem de implicar uma participação do doente ao longo de todo o processo de saúde e todo o processo de doença”, incluindo o acompanhamento por uma equipa especializada em Cuidados Paliativos.

“A escolha do momento de morte não é a única escolha que importa”, adverte, precisando que desejo de antecipar a morte revela “um doente que está numa situação de sofrimento intenso, numa situação de sofrimento que precisa de ser abordada e que carece de uma intervenção altamente especializada”.

A energia dos decisores e dos partidos políticos deveria estar, neste momento, muito mais focada em garantir cuidados de saúde adequados para as pessoas e garantir que, de facto, o sofrimento seja prevenido e tratado”.

A especialista lamenta que se procure a antecipação da morte, justificando esse pedido com o sofrimento intolerável, sem que esse sofrimento tenha sido devidamente tratado.

“Acho que, de facto, não é o país que nós queremos, nem é o país pelo qual devamos lutar”, conclui.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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