Abusos: Igreja vai criar novo grupo, para acompanhar e receber denúncias, com «capacidade autónoma» e «credibilidade perante as vítimas»

Presidente da CEP reuniu-se com a Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 10 mar 2023 (Ecclesia) – O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, reuniu-se hoje em Lisboa com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, tendo debatido a criação de um novo organismo para o acompanhamento de vítimas.

“Temos a experiência do que foi a constituição da Comissão Independente e sabemos o que queremos, muito claramente: tem de ser um grupo que tenha credibilidade perante as vítimas, e, por isso, tenha uma capacidade autónoma de apresentação de projetos e de acompanhamento das vítimas”, disse à Agência ECCLESIA.

O bispo de Leiria-Fátima adiantou que esse novo organismo visa dar continuidade ao trabalho de escuta das vítimas e recolha de eventuais denúncias de abusos sexuais de menores, como a CEP anunciou a 3 de março, após a Assembleia Plenária Extraordinária, em Fátima.

D. José Ornelas explicou que o novo grupo “é diferente” da Comissão Independente criada em 2021, sob a presidência do pedopsiquiatra Pedro Strecht, que foi de estudo, passando a ter “um caráter operativo e um caráter de articulação”.

Este perfil de dupla função deste grupo está a ser objeto de ponderação. Não é preciso esperar muito tempo para que se possa realizar, mas leva o seu tempo a escolher pessoas. A CI levou um mês e meio, quase dois meses, a entrar em funções depois de tomarmos a decisão, não se faz de um momento para o outro”.

A Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, da Igreja Católica, esteve reunida na sede da CEP, em Lisboa.

D. José Ornelas assinalou que a Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que apresentou o seu relatório final a 13 de fevereiro, foi uma iniciativa “importantíssima”, da qual os bispos vão “tirar as consequências”, passando do nível do estudo “ao nível operativo, das decisões, e das atitudes”.

“A equipa de Coordenação Nacional, aliada também às Comissões Diocesanas, assume um papel novo, a própria ação da equipa e das comissões tem de ser repensada à luz da realidade que conhecemos agora melhor. Tem de ter em conta a mobilização que foi feita para se encontrarem caminhos novos,  de formação, de prevenção, de acompanhamento de vítimas e também de transformação daquilo que somos, como Igreja”, acrescentou.

Estou convencido de que a nossa Igreja sai daqui bastante modificada e, certamente, atitudes do passado não vão [acontecer], não há retorno”.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa sublinha que a Igreja não está a “começar agora este trabalho”, assumindo a intenção de “encontrar e construir todos juntos na Igreja, nas diversas instituições, e em diálogo com outras instituições que se preocupam com este problema”.

“Vamos construir uma Igreja e um mundo melhor”, salientou D. José Ornelas.

A 13 de fevereiro, em Lisboa, a Comissão Independente, designada pela Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou o seu relatório final, após 12 meses de trabalho, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022.

Até ao momento, 14 dioceses portuguesas revelaram informação sobre as listas com nomes referidos nos testemunhos recolhidos pela CI, nas quais estavam identificadas 68 pessoas.

Desses, 22 sacerdotes já faleceram, há oito pessoas não identificadas, 11 padres não desempenham quaisquer cargos (não estando, portanto, no ativo), e três foram ilibados em processos civis e/ou canónicos, além de haver referência a um leigo.

Cinco sacerdotes foram afastados, de forma cautelar, após a análise das listas; um dos sacerdotes já se encontrava nessa situação, previamente, e outros cinco casos já tinham sido alvos de processos civis e canónicos.

As dioceses de Lisboa e do Porto comunicaram que as listas identificaram, respetivamente, cinco e sete sacerdotes no ativo, esperando por mais informações para decidir eventuais medidas cautelares a aplicar.

A secretária da Coordenação Nacional adiantou que as Comissões Diocesanas “destacam esse trabalho” que está a ser realizado, que “é decorrente das regras emanadas do Código de Direito Canónico” e, consequentemente, deve ser concretizado para “salvaguarda das vítimas e prevenção ”.

“Tudo o que está a ser feito é aquilo que essas mesmas regras ditam: a tal averiguação prévia, em face de uma lista de nomes que já está contextualizada com alguns factos”, disse Paula Margarido à Agência ECCLESIA.

A advogada acrescenta que “pode haver necessidade das dioceses, para além dos nomes, de solicitarem esclarecimentos à Comissão Independente”, para que se possam “instruir os processos de averiguação prévia para efetivamente implementar uma medida cautelar”, com o documento que será remetido para o Dicastério para a Doutrina da Fé (Santa Sé).

Sobre o acompanhamento às vítimas de abusos através de psicólogos e psiquiatras, a secretária da Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, da Igreja Católica em Portugal, lembrou que há Comissões Diocesanas que “já dispõem desse acompanhamento” especializado, embora não todas.

Nesse sentido, os vários responsáveis vão “tentar implementar com a maior brevidade” uma bolsa com profissionais, “para que exista, no todo nacional, essa cobertura que se pretende para salvaguarda e proteção das vítimas e também dos agressores”.

“Perante esta realidade da lista de nomes, a verdade é que os agressores também devem ter o respetivo acompanhamento psicológico e psiquiátrico”, acrescentou Paula Margarido.

A advogada realçou que “o objeto de proteção das Comissões Diocesanas” é o das crianças, os menores, os adultos veneráveis e o dos jovens, mas não podem “olvidar de forma alguma aqueles agressores que têm várias dimensões”, e carecem do “devido acompanhamento psicológico e psiquiátrico”.

José Souto Moura, presidente da Coordenação Nacional, disse à Agência ECCLESIA e Rádio Renascença que as Comissões Diocesanas e o novo grupo “estão evidentemente virados para o futuro”, falando numa entrevista que vai ser emitida este domingo.

CB/OC

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