Igreja/Sociedade: «O dia em que as pessoas pedem para comer é o pior dia da sua vida» – Rita Valadas

Presidente da Cáritas Portuguesa assume preocupações com o impacto da crise na alimentação e habitação, pedindo aposta no combate à pobreza, com o PRR

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 05 mar 2023 (Ecclesia) – A presidente da Cáritas Portuguesa assumiu preocupações com o impacto da crise, em setores como a habitação ou a alimentação, pedindo que a resposta pública passe por uma aposta no combate à pobreza.

“Neste momento temos pedidos de todo o tipo. Diria que o dia em que as pessoas pedem (algo) para comer é o pior dia da sua vida”, refere Rita Valadas, convidada da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.

A semana nacional da Cáritas decorre de 5 a 12 de março, este ano com o mote “O Amor que Transforma”.

A organização católica apoia cerca de 120 mil pessoas em atendimento social através da rede nacional das Cáritas Diocesanas e dos muitos grupos paroquiais que estão espalhados por todo o país.

“Temos pedidos quando as pessoas têm medo de perder a casa, quando temem que lhes cortem a luz, que lhes cortem a água”, indica a entrevistada, sublinhando que “todas essas situações são sucessivas”.

A presidente da Cáritas Portuguesa aborda o impacto da crise, sublinhando que 120 mil é o “número de referência para as pessoas que estão em situação de pobreza resistente”.

Rita Valadas admite uma diminuição da “qualidade alimentar”, em Portugal, face aos cortes nas despesas, por parte da população.

Sobre as medidas anunciadas pelo Governo para o setor da habitação, a entrevista recorda que, anteriormente, tinham sido prometidos “projetos concretos de construção de rendas acessíveis”.

“Não vejo isso acontecer e agora vejo procurar ao lado. E é sempre esta mágoa que fica, de que nada chega ao fim”, adverte.

Se há projetos para fazer, para se investir na habitação condigna para todos, porque é que chegamos a este ponto e o que estava planeado não se fez e agora está a ir-se a outra coisa, que ainda por cima é polémica, levanta imensas questões ao nível da confusão dos direitos básicos constitucionais?”.

Para Rita Valadas, as medidas anunciadas “resolvem os problemas de uns grupos”, mas não resolvem “os problemas que estão na génese”, algo que pode “facilitar” o surgimento de extremismos.

A presidente da Cáritas Portuguesa convida a olhar com precaução para os dados estatísticos, referindo que “ou a taxa de inflação influencia os bens básicos para a sobrevivência e bem-estar das pessoas ou é um número que não interessa para nada”.

Sobre a estratégia nacional de combate à pobreza, a responsável considera que esta não é “uma forma de resolver um problema agudo, é uma forma de olhar o futuro com um caminho”.

“Uns podem dar a estratégia e outros podem dar a proximidade. Sem as duas coisas, os problemas não se resolvem. A Cáritas pode dar a proximidade”, assinala.

Rita Valadas pede ainda que a aplicação dos fundos europeus atribuídos a Portugal através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “não seja só para resolver só situações pontuais”, no combate à pobreza, “porque é um problema estrutural”.

“Devo dizer que não senti ainda muito o PRR. E tenho pena, porque temos um tempo para o usar, isto é um empréstimo, e se não utilizarmos como deve ser, corremos o risco de ficar empenhados sem proveito”, adverte, admitindo que o país possa viver uma “oportunidade perdida”.

Uma pessoa pobre, assinala, “não é um número para a Cáritas”.

“Tem um nome, uma família, tem um conjunto de recursos e um conjunto de fragilidades”, acrescenta a presidente da organização católica.

Rita Valadas pede que, neste Semana Nacional, as pessoas ajudem a Cáritas, sustentando que “um euro ou uma hora, neste momento, pode fazer toda a diferença a quem mais precisa”.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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