«Fratelli Tutti»: Nova encíclica critica ressurgimento de populismos, racismo e discursos de ódio

Papa defende valorização da política, na sua dimensão mais nobre, e pede comunicação mais humana

Foto: ACNUR

Cidade do Vaticano, 04 out 2020 (Ecclesia) – O Papa publicou hoje a sua nova encíclica ‘Fratelli Tutti’ (Todos Irmãos), na qual critica o ressurgimento de populismos, do racismo e de discursos de ódio, muitas vezes propagados pelas plataformas digitais e redes sociais.

“A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”, alerta Francisco, no texto divulgado pelo Vaticano.

A encíclica, primeiro documento do género em cinco anos, aponta o dedo a “novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais”.

Num texto que tem como temática central a fraternidade e amizade social, o Papa convida a deixar de parte o “desejo de domínio sobre os outros”.

“Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum”, escreve.

A reflexão parte da categoria teológica do “amor político” para sublinhar a importância da ação legislativa e executiva para a construção de uma sociedade melhor.

“É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política”, exemplifica Francisco.

O Papa refere que as preocupações dos responsáveis políticos não devem ser as sondagens, mas “encontrar uma solução eficaz para o fenómeno da exclusão social e económica”.

Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na sociedade”.

A encíclica é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão ‘Fratelli Tutti ‘ (todos irmãos) remete para os escritos de São Francisco de Assis, o religioso que inspirou o pontífice argentino na escolha do seu nome.

Francisco destaca que o “desprezo pelos vulneráveis” pode esconder-se em formas populistas que, “demagogicamente, se servem deles para os seus fins”, ou em formas liberais “ao serviço dos interesses económicos dos poderosos”.

O documento convida a distinguir populismo de popular, realçando que “existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade”.

“É necessário pensar a participação social, política e económica segundo modalidades tais que incluam os movimentos populares”, acrescenta, lamentando em particular a “intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas”.

O Papa aponta o dedo a “movimentos digitais de ódio e destruição”, mostrando a sua preocupação com o crescimento de “formas insólitas de agressividade, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais até destroçar a figura do outro”.

O texto sublinha que a conexão digital pode “isolar do mundo” e adverte para a “troca febril de opiniões nas redes sociais”, muitas vezes com base em informações falsas.

“O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos”, sustenta.

A encíclica liga estes discursos de ódio a “regimes políticos populistas e a “abordagens económico-liberais”, segundo as quais seria necessário “evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes”.

Francisco sublinha, a este respeito, que o racismo é um “vírus que muda facilmente” e “está sempre à espreita”, em “formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos”.

“De novo nos envergonham as expressões de racismo, demonstrando assim que os supostos avanços da sociedade não são assim tão reais nem estão garantidos duma vez por todas”, escreve o Papa na ‘Fratelli Tutti’.

É inaceitável que os cristãos partilhem esta mentalidade e estas atitudes, fazendo às vezes prevalecer determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé: a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno”.

As duas anteriores encíclicas do atual pontificado foram a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé), de 2013, que recolhe reflexões de Bento XVI, Papa emérito; e a ‘Laudato Si’, de 2015, sobre a ecologia integral.

O antecessor de Francisco publicou três encíclicas, no seu pontificado (2005-2013); antes de Bento XVI, João Paulo II assinou 14 encíclicas, entre 1979 e 2003.

OC

Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Papa Francisco sobre a fraternidade e a amizade social

Na sua nova encíclica, o Papa defende uma “fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física”.

“O simples facto de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente”, realça.

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