Portugal: Discutir a eutanásia «não é legítimo num país onde as pessoas morrem muito mal» – Ana Sofia Carvalho

Diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa diz que é preciso voltar a centrar os cuidados de saúde na pessoa, não na doença

Porto, 09 fev 2018 (Ecclesia) – A diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa diz que as iniciativas em curso no Parlamento sobre a eutanásia são “inoportunas” e não tocam aquilo que neste momento “realmente importa debater”.

Em entrevista hoje à Agência ECCLESIA, Ana Sofia Carvalho realça que a discussão acerca da eutanásia só poderá fazer sentido quando estiver resolvida no país a forma como as pessoas hoje “vivem os seus últimos dias de vida”.

E o que acontece, de acordo com a investigação e as atividades formativas levadas a cabo pelo Instituto de Bioética, “é que neste momento as pessoas morrem muito mal em Portugal”, aponta aquela responsável.

Para Ana Sofia Carvalho, que faz parte também do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, “não é legítimo um país que não consegue tratar as pessoas de forma digna em fim de vida considerar a opção de as matar, ou deixar que elas peçam a morte”.

O que importa é salvaguardar antes de mais “um conjunto de medidas que passam por mais e melhores cuidados paliativos” e sobretudo por “recentrar os cuidados de saúde nas pessoas, e não na doença das pessoas”.

Aquela responsável lembra que “os cuidados paliativos têm três dimensões: o controlo sintomático, uma parte mais técnica, e outras duas vertentes essencialmente ligadas à comunicação, à forma de lidar com a pessoa doente de forma ética”.

E neste campo, “qualquer profissional tem de estar habilitado a fazê-lo”, frisa Ana Sofia Carvalho.

Embora reconheça que, devido à atual conjuntura económica do país, e do próprio sistema nacional de Saúde, o ideal de “cuidados paliativos para todos” possa ser ainda uma “utopia”, a diretora do Instituto de Bioética da UCP reforça que as dificuldades não podem servir de desculpa.

E deixa um apelo para que nem “os profissionais de saúde” nem “o Estado” se “demitam” das suas responsabilidades.

No Parlamento estão neste momento em análise duas propostas de partidos, relacionadas com a eutanásia.

Uma do Bloco de Esquerda que pretende legalizar as duas formas de morte assistida: a eutanásia e o suicídio assistido, com a condição de que “o pedido de antecipação da morte corresponda a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”.

A outra partiu do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e também é a favor da despenalização da morte medicamente assistida.

Quanto aos restantes partidos com assento na Assembleia da República, o Partido Socialista já deu a entender que poderá apresentar uma iniciativa própria ou apoiar uma das já existentes; o Partido Social Democrata apontou para a liberdade de voto e o Partido Popular manifestou-se contra o projeto de despenalização.

O único que ainda não assumiu posição definida é o Partido Comunista.

Na sua abordagem a esta questão, a diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa sustentou ainda a importância de esclarecer os conceitos que estão a ser utilizados, como a morte medicamente assistida, “a confusão entre matar e deixar morrer”.

“Tudo aquilo que implica retirar diálise a pessoas que estão em fim de vida, evitar práticas invasivas, não reanimar pessoas que estão numa fase final de vida, não é eutanásia e é uma boa prática médica, porque não se pode nunca pensar que se vai resolver o problema da morte. Isto é completamente diferente de termos alguém que conscientemente e estando capaz pede para ser morto e depois outra pessoa executa essa ação”, complementa Ana Sofia Carvalho.

JCP

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