Aphrodisias: entre a deusa do amor e o Deus da cruz

Transformação do templo é considerada um caso único

Os gregos deram-lhe o nome da deusa Afrodite. A Igreja chamou-lhe Stauroupolis, isto é, “cidade da cruz”. Duas civilizações, duas maneiras de dizer o amor na arte e na religião.

O culto a Afrodite foi agregando os poderes que os povos lhe atribuíram ao longo dos tempos. À sua intercessão em favor das colheitas e da fertilidade juntaram-se influências religiosas das populações da Anatólia e, mais tarde, do mundo greco-romano.

Aphrodisias, denominação dada pelos gregos no século II a.C, ganhou relevância durante o Império Romano, tendo-se afirmado como importante pólo cultural.

A cidade distinguiu-se pela excelência da escultura em mármore, exportada para várias regiões do Império, como é o caso de uma alegada imagem de Afrodite encontrada em Pax Julia (Beja). Alguns dos melhores exemplares descobertos entre as ruínas podem ser apreciados no museu local.

Entre os edifícios destaca-se o “Tetrapylon”, pórtico de entrada constituído por quatro grupos de quatro colunas coríntias, totalmente reconstruído em 1990. Há também um teatro, mais tarde convertido pelos romanos em palco de lutas de gladiadores, e uma “ágora”, espaço público de encontro e discussão de ideias.

O “bouleuterion”, construção destinada aos membros do conselho da cidade, assemelha-se a um pequeno teatro. A vocação política e artística do espaço é comprovada por duas das oito estátuas encontradas no local, nas quais se retrata um cidadão de Afrodisias e a figura do deus Apolo a segurar uma lira.

Os vestígios do culto ao imperador romano estão patentes no “Sebasteion”, nome que advém da palavra “Sebastos”, ou seja, “venerável”, forma grega equivalente ao latim Augustus (Augusto), título honorífico concedido ao césar.

A cidade singulariza-se também pelas dimensões do seu estádio (aproximadamente 260 por 60 metros) e pelo seu notável estado de conservação. Inicialmente destinado a competições atléticas inspiradas na civilização grega, o recinto foi parcialmente transformado em espaço para jogos, actividades circenses e espectáculos com animais selvagens.

Aos poucos, a comunidade cristã interveio nesta herança. A transformação do templo dedicado a Afrodite em basílica cristã é considerada um caso único entre todas as conversões de espaços pagãos em igrejas.

As paredes e colunas foram removidas, tendo sido reutilizadas para aumentar e modificar a antiga arquitectura.

Afrodisias tornou-se sede do bispo metropolita de Caria e o seu nome passou a Stauroupolis, “cidade da cruz”. A mudança é um sinal de que a influência dos cultos pagãos permaneceu viva por várias gerações, mesmo depois da difusão do cristianismo.

Os sismos que sacudiram a cidade conduziram ao desmoronamento dos seus edifícios mais importantes. Aphrodisias viria a ser abandonada pelo século XIII.

Rumando para nordeste, a 100 km de distância, encontra-se Pamukkale, uma das maiores atracções da Turquia. A composição calcária das fontes termais que descem das montanhas originou a formação de travertino. A paisagem proporcionada pela brancura desta pedra e as propriedades curativas das águas atraem diariamente centenas de visitantes.

No cimo deste “castelo de algodão” situa-se Hierápolis, que oferece vestígios bem conservados da cultura greco-romana, como o templo de Apolo, principal divindade da urbe, estátuas inspiradas pela escola de Afrodisias, um teatro e a maior necrópole da região da Anatólia, com cerca de 1200 sepulturas.

A “cidade sagrada” contém igualmente testemunhos do cristianismo. São Paulo haveria de se lembrar dos fiéis desta comunidade eclesial na carta que escreveu aos colossenses. Um edifício octogonal guarda a memória do apóstolo São Filipe, possivelmente sepultado em Hierápolis, existindo ainda uma basílica erguida no século VI.

A 10 km de Pamukkale e Hierápolis, incluídos no Património Mundial da UNESCO, localiza-se Laodiceia, igualmente recordada por São Paulo.

“Quero que saibais – sublinha o apóstolo na mesma missiva enviada a Colossos –  como é grande a luta que mantenho por vós, bem como pelos de Laodiceia e por quantos nunca me viram pessoalmente, para que tenham ânimo nos seus corações, vivendo bem unidos no amor”.

A preocupação de Paulo com os cristãos das duas comunidades seria causada pela propagação de “discursos sedutores” contrários às exigências da vivência cristã. “Ainda que eu esteja ausente de corpo, estou, porém, convosco em espírito, alegrando-me por ver a ordem que há entre vós e a firmeza da vossa fé”, acrescenta.

A cidade volta a ser mencionada no Apocalipse. Na sequência de uma visão de Cristo ressuscitado, o autor do último livro da Bíblia escreve a sete igrejas, entre as quais se inclui a de Laodiceia.

A crítica à inconstância da fé da comunidade é áspera: “Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e não és frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca”.

Rui Martins, Turquia (a Agência ECCLESIA viaja a convite da Geostar)

 

 

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