Ano 2022: «Na Ucrânia todos diziam ‘Conte a minha história’» – João Porfírio

Fotógrafo esteve três meses na Ucrânia e conta que o seu trabalho tinha como objetivo dar a conhecer ao mundo os dramas que os ucranianos enfrentam

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 28 dez 2022 (Ecclesia) – João Porfírio, editor de fotografia do jornal «Observador», esteve três meses a cobrir a guerra na Ucrânia, e conta à Agência ECCLESIA que o seu trabalho tinha como objetivo dar a conhecer ao mundo os dramas que os ucranianos enfrentam.

“Na Ucrânia toda a gente dizia: conte a minha história, obrigada por estarem aqui. Conte a minha história. Obrigada por contarem ao mundo que o meu filho foi morto com uma bala na testa, obrigada por contarem que tive de enterrar o meu marido no quintal da minha casa, que a minha vizinha foi violada por 10 homens das tropas russas. Não consigo contabilizar as pessoas que me disseram obrigado: «Ainda bem que vieram, ainda bem que estão aqui». Eles perderam os familiares, perderam tudo – querem que o mundo ocidental saiba o que ali se passa”, conta o fotojornalista de 27 anos.

Na noite de 24 de fevereiro, tropas russas invadiram a Ucrânia, com um primeiro ataque às 4h da manhã (hora portuguesa) e o João Porfírio e um colega tinha voo marcado para a capital, Kiev, às 6h.

“Todos falavam na iminência da guerra – alguns diziam estar eminente, outros comentadores eram mais céticos – e no jornal achamos que era importante ir ouvir as pessoas na Ucrânia. “Decidimos ir e por acaso marcar o voo para as 6h da manhã de 24 de fevereiro. O primeiro ataque foi às 4h. Na altura disseram: «Não podemos ir», mas eu disse, agora é que temos de ir”, recorda.

Numa ligação de Lisboa, Munique, Cracóvia, João Porfírio atravessa a fronteira da Ucrânia com a Polónia a pé.

“A primeira imagem que vi, foram as filas de pessoas a sair da Ucrânia, e eu a entrar, na zona de Lviv. A primeira grande cidade onde estive e onde fiz as primeiras fotografias. Para se perceber o quão prematuro eu cheguei, estive na estação de comboios, onde uma semana depois, chegaram jornalistas do mundo inteiro, e no dia 25 eu era o único com uma câmara fotográfica”, recorda.

A novidade da guerra a acontecer, o tipo de armamento, mas também os alegados crimes contra a humanidade cujos testemunhos recolheu, são parte integrante das histórias que continua a trazer consigo, 10 meses depois do início do conflito.

“Ninguém estava preparado para aquilo. Inicialmente não íamos para a Ucrânia para fazer a cobertura de um conflito armado, mas saio de Portugal a saber que ia para um conflito armado, como aquele onde não sabemos que tipo conflito é. Nunca ouvi um tiro na Ucrânia, de pistola porque o tipo de armamento é muito diferente; a linha da frente, ou quente, estende-se por 30 quilómetros”, explica.

João Porfírio reconhece que a linha de distanciamento emocional é ténue e que ainda hoje mantém contacto com “muita gente” na Ucrânia: “Não com todos, mas com pessoas com quem me envolvi mais emocionalmente porque provavelmente em algum momento mais tenso eu só as tinha a elas e elas a mim”.

Os primeiros disparos fotográficos do João Porfírio registaram as noites de Natal, que fazia acompanhado de um familiar: “O dia de Natal era passado a revelar, no escuro, as fotografias da noite 24”.

Em criança, juntou dinheiro para comprar uma máquina, mas a mãe acabou por lhe oferecer aquela que seria a sua primeira máquina fotográfica: “Começo a ir para a rua fotografar amigas e amigos, sempre pessoas em diferentes situações. E eu percebi que era isto que queria fazer e todo o meu percurso académico fica orientado para estudar e para ser fotógrafo”.

Aos 15 anos é publicada a sua primeira fotografia: “Uma foto vertical no campeonato de ginástica rítmica, com a ginasta com a perna levantada”, recorda.

“O sentimento de perda de uma boa fotografia não acontece se a fotografia não existir; Isso só acontece quando os nossos parceiros têm a fotografia ou quando o acontecimento está à nossa frente e nós não conseguimos ser suficientemente rápidos para fazer um disparo. Mas quantos acontecimentos acontecem na diagonal da minha nuca e eu não sei o que perdi, e ainda bem, caso contrário seria esmagador e frustrante”, explica.

A conversa com João Porfírio recorda momentos do seu percurso desde Portimão até Lisboa, para vir a ser um fotojornalista, pode ser acompanhada no esta madrugada, depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1 da rádio pública, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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