A experiência «íntima», «sublime», «perfeita» que a música oferece, contada por Sérgio Peixoto – Emissão 16-03-2023

 

Sérgio Peixoto é amante de música: neste adjetivo cabe a história que foi construindo desde que aos cinco anos, quando sentiu que a música que a sua mãe e avó cantavam lá em casa, significavam acolhimento e segurança.
O seu percurso como cantor, diretor ou investigador levou-o a percorrer o mundo em diferentes projetos musicais: grupo Olisipo, Tetvocal, Coro Gunbenkian, «Sete Lágrimas» e «Mãos que cantam» são diferentes formas de experimentar a música e as sensações que ela permite.
Sérgio Peixoto assume que a música foi um caminho espiritual que se abriu na sua vida quando começou a descobrir os clássicos, Mozart e Bach, mas também a recuperar música antiga, renascentista e romântica.
O prazer de parar o tempo quando o sublime acontece em palco é algo que quer guardar para si, até mesmo antes de o oferecer ao público, e reconhece que tantas vezes tem sido um privilegiado por sentir «o vento do Espírito».

«Mozart e Bach foram essenciais. Quando começamos a descobrir estas músicas e a cantar as músicas, a entendê-las, o universo espiritual abre-se. A minha sensação é quando estou a cantar ou ouvir – já não é só o cantar – parece que a porta do céu se abre e mil imagens, mil sensações complementam-se nesta atitude mais espiritual.»

«A música, no seu sentido mais abstrato, não se pode tocar. É como o espírito. Quando participei numa obra «A missa de Pentecostes», composta por João Madureira para o grupo «Sete Lágrimas», senti que a música é o vento do Espírito. Gosto muito desta imagem e utilizo-a muito. Acho esta atitude muito íntima e religiosa. O silêncio, o som, estas duas coisas que parecem tão diferentes, não o são. O vento é muitas vezes um remoinho, às vezes é uma brisa, outras vezes é um furacão intenso. Gosto de pensar que é o Espírito Santo que nos orienta e guia.»

«Bach escutou Deus e Deus estava sobre o ombro de Bach a dizer «Estás a ir bem! É mesmo esse o caminho!» Tenho amigos que não são crentes e acreditam em Bach, que há ali algo de transcendente, de espiritual. Mas não conseguem explicar. Não sei se é pela técnica aprumadíssima do compositor – não é só isso – também a alma e julgo que esse vento do Espírito que cai sobre Bach, e ele transmitiu nas suas partituras, que durma até hoje, têm um efeito impressionante, mesmo nas pessoas que não creem. É o som, a melodia, a harmonia, eu chamo de matemática espiritual. Não há mais nada – é impossível. Já não era possível ir mais além. Não consigo explicar por palavras, é qualquer coisa de religioso para quem crê, mágico para quem não crê.»

«Desenvolver a língua gestual portuguesa, no seu aspeto artístico e estético, era algo que não se fazia e já se faz graças ao grupo «Mãos que cantam». A forma como se interpreta está a mudar porque veem os surdos a fazer este trabalho. Construímos gestos de direção musical que são diferentes dos gestos para um coro de ouvintes e desenvolvemos a língua gestual portuguesa no sentido estético e artístico do termo, tal como criamos gestos para conceitos que não estavam definidos, nem era uniformes no universo surdo. Isto é o desenvolver de uma língua».

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